Lembranças de um estranho...
Estava eu sentada, não me lembro onde, não lembro quando.
Veio uma pessoa que aparentava seu trinta e poucos anos e se sentou ao meu lado.
Olhamos um para o outro, e essa pessoa começa a falar de maneira tão comovente e muito interessante de parte da tua história de vida...
“Sou nascido e criado em uma comunidade carente de um centro urbano muito rico e desenvolvido. E como toda criança, que hoje sofre com a desigualdade social, também, sofri.
Comecei a trabalhar quando tinha mais ou menos 12 anos de idade. Pela necessidade que encontrei de realizar uma vontade, comprar um tênis, do qual eu já tinha pedido ao meu pai e que pelas dificuldades em que nos passávamos não pode me dar.
Aprendi muito com esse trabalho. Trabalhava com um grupo de homens mais velhos que eu, arrumando as coisas que eles usavam. Do tipo faz tudo. Limpava tênis, comprava coisas, andava com eles pra cima e pra baixo. Aprendi a me virar e conheci um mundo que com aquela idade eu ainda não conhecia.
Com o passar do tempo fui crescendo, procurei um trabalho fixo, consegui e também cresci profissionalmente. Lembro que fui o primeiro da minha turma a ter um cartão de crédito. Comprava coisas pra mim e para meus amigos. Nessa época aprendi a controlar o meu dinheiro. Cometi algumas burradas, claro, me endividei tentando ajudar um amigo e depois não obtive retorno.
Cresci, trabalhei, conheci muita gente, me apaixonei, amei, sofri.
Tive muitas experiências e hoje tenho história pra contar.
Eu atenciosa olhava, percebia e sentia todas as emoções, sonhos, sentimentos que essa pessoa tinha sentido ou ainda sentia. E continuou me contando pedaços e fatos que marcaram tua vida. Até que uma hora me disse...
“De todas as certezas que eu tenho, de tudo que vivi, nunca vivi e nem imaginei viver e sentir o que estou vivendo e sentindo agora. A vida muda o tempo passa e achamos que já vivemos tudo e de repente a vida nos prega peças.
Me descobri sentindo coisas que não imagina que eu não conhecia.
Me vi muitas vezes perdido sem saber o que fazer ou falar. Já estava me realizando na carreira que tinha escolhido para fazer e achava que com isso já não faltava nada em minha vida para felicidade plena.
Do nada, de repente, por um estranho impulso em entender um sentimento novo que me arrebatava descobri que estava me apaixonando, amando loucamente.
Fugir disso foi a primeira coisa que fiz, ao me ver perdido, sem ação.
E que para meu desespero não adiantou de nada.
Ainda estou perdido, sem um norte, tenho medo de tentar, me decepcionar e tenho medo de fugir e de não realizar algo que pareça imprescindível em minha vida.”
Nesta hora esta pessoa, que estava a pouco sentada ao meu lado, se levantou me olhou com os olhos marejados de lágrimas se virou e foi embora.
Do jeito que eu estava, fiquei. E vi essa pessoa se afastar. Comecei a pensar em tudo que eu havia escutado, cada detalhe, cada por menor. Via sinceridade e verdade nos olhos, no tom de voz. Via uma emoção que poucas vezes tinha visto.
Vi como o amor é inconsistente, inconseqüente, não escolhe lugar, dia, hora, cor de pele, status social, idade.
Te faz feliz, realizado mas também te faz sofrer.
Que até podemos tentar mandar nos nossos sentimentos, mas quando o sentimento fala, grita a melhor coisa a fazer e se entregar e buscar ser feliz.
Essa história é baseada em fatos reais. Conta um pequeno pedaço da historia de vida de muita gente que eu conheço, mas também é a historia de vida deste talvez desconhecido.