Brevíssimo instante de felicidade
Não dura muito e, o que é pior, não acontece sempre. Pelo menos para mim, costuma acontecer no fim do dia, quando eu já me desvincilhei de tudo aquilo que me preocupava e roubava a minha atenção. Quando estou caminhando e tenho objetivos simples, como jantar um pouco de sopa ou comprar pasta de dente na farmácia. Passo em revista então toda a minha vida, para ver se não existem angústias das quais estou me esquecendo e que demandam solução imediata. E não encontro nada, absolutamente nada. Estou empregado e não tenho previsão de grandes aborrecimentos para os próximos dias. Tenho a minha casinha e não há nenhum problema a ser resolvido nela. Dinheiro nunca tive muito, mas tudo leva a crer que conseguirei passar bem pelo mês. Também ando bem de saúde e tenho conseguido dormir melhor.
Ah, como poderia esquecer, estou lendo um livro tão bom que dá até vontade de ler mais devagar, para que ele demore a terminar. E além de tudo é Natal, e daqui a algumas semanas estarei de férias, viajando para o sul. Verdade que não tenho um amor, mas conheço algumas pessoas com quem compartilho minhas ternuras. Também a elas não parece ocorrer neste momento nenhuma grave questão. Estão todos bem, enfrentando com vigor a batalha de suas vidas. Considerando tudo isso é que eu me pergunto que motivos eu tenho para não estar feliz. E então, ainda que por brevíssimos instantes, eu me deixo estar plenamente satisfeito e realizado. Bem sei que o mundo não deixou de ser triste e injusto, e que eu ainda preciso definir muitas coisas importantes na minha vida, mas a simples constatação de que não há maiores ansiedades a se preocupar já me enche de motivação e euforia, e por isso eu canto qualquer coisa que aparecer à minha mente, e faço para mim mesmo observações engraçadas sobre aquilo que observo na rua, e então já não me importa nem a dificuldade que é a vida de pedestre em Brasília. Só que não dura muito. E, o que é pior, não acontece sempre.