Na praça de alimentação

No primeiro dia do mês de dezembro, em meio a um temporal diluviano, Ramon foi ao Shopping com a família. Não teve como escapar, as crianças e a esposa queriam muito ir, todo ano é assim. E como ele sabia exatamente o que iria encontrar, preparou o espírito com duas longas sessões de meditação zen e meio comprimido tarja preta (um calmantezinho básico, que quase todo mundo toma), só para aliviar um pouco a tensão.

E que tensão!

O 13º salário tinha acabado de entrar nas contas dos consumidores mais consumistas de todos: os assalariados da classe média ostentadora, que entupiram os corredores, escadas, lojas e praças de alimentação do grande centro comercial, exibindo seus corpos transbordantes de alegria natalina (e, em muitos casos, de banha), com a respiração leve, como se circulassem no interior de um grande balão de oxigênio – seu oásis temporário, seu paraíso artificial.

Para achar uma mesa desocupada na praça de alimentação, Ramon e sua família tiveram que esperar quase duas horas. As pessoas ficavam em pé, ao lado das mesas ocupadas, aguardando sua liberação, o que gerava disputas entre os interessados e, às vezes, situações um pouco desagradáveis: “Eu já estava aqui, cheguei primeiro”, “Ah, peço desculpas”, o que, no linguajar chulo (normalmente só imaginado pelos contendores), queria dizer: “Saia já daqui com essa sua família horrorosa, seu idiota, imbecil, desgraçado, porque esta mesa aqui é minha”, “Ah, é? Então por que você não enfia ela no seu cu, filho da puta?”. Daí pra pior.

E quem estava sentado fazia questão de demorar. Na mesa que Ramon vigiava, o pai comia lentamente sua comida japonesa, enquanto a mãe enfrentava uma fila enorme para servir seu salmão grelhado com salada de repolho e brócolis; e quando os dois terminaram de comer, o pai ainda foi com o filho ao McDonald’s, para lhe comprar um McLanche Feliz (o pão insosso com carne mais caro do mundo). Ramon, que não quis ficar circulando feito um imbecil entre as mesas, ouvindo “Eu já estava aqui” da boca de outros imbecis, preferiu esperar ali mesmo aquela liberação, que ainda demorou bastante, porque depois do McLanche do filho (a quem Ramon se referia em pensamento como “esse maldito gordinho com cara de lua”), a mãe (“essa vaca”) ainda comeu um Top Sundae e o pai um Frozen Yogurt com calda de ameixa (“para cagar bastante quando chegar em casa”, resmungou Ramon ao ver a quantidade de ameixa preta que transbordava do potinho do “desgraçado”).

Antes de ir embora, Ramon subiu ao terceiro andar e observou do alto a enorme multidão em movimento pelos corredores e escadas do Shopping: uma massa de cor indefinida, mais puxada para o vermelho (como um grande rio de lava), barulhenta, cheia de dentes que trituravam, destruíam, e de buracos que excretavam, sujavam...

Ramon respirou fundo, resignado, chamou a família e, de mãos dadas, misturaram-se na multidão...

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 05/12/2013
Código do texto: T4599618
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.