Aono-Domon, o túnel da esperança - 2ª parte

No momento em que ia realizar o "hara-kiri", de olhos fechados, escutou, repentinamente, uma voz de mulher vinda do aposento ao lado. A porta corrediça se abriu e sua amante Oyumi apareceu exclamando: "Ichikuro, Eu também estava com medo de morrer ! Se Saburobei lhe matasse, eu também seria morta por sua espada ! Eu estava escondida atrás do biombo, cheia de ansiedade e desespero, mas tudo já passou e você foi o vencedor ! Você matou Saburobei, levante-se ! Coragem ! Agora não podemos perder um minuto sequer para fugir, enquanto ninguém aparece, vamos logo !

Ichikuro levantou-se, impensadamente, como que hipnotizado. Oyumi levou-o ao outro quarto e silenciosa e rapidamente abriu as gavetas de todos os armários, procurando dinheiro e objetos valiosos. Colocou tudo em uns três ou quatro lenços de pano, embrulhando o que encontrou. Assim, eles fugiram da casa do senhor feudal assassinado. Seguiram a sua viagem de fugitivos, furtiva e desvairadamente, afastando-se o mais possível da capital.

O jovem samurai Ichikuro sofreu continuamente durante essa fuga, com a consciência torturando-o dia e noite. Mas Oyumi, que era uma mulher mais madura, ousada e flexível, influenciava Ichikuro constantemente, dizendo: "Nós agora somos criminosos e não temos condição de ter uma vida normal. Não adianta sofrer tanto. A vida é curta, por isso precisamos aproveitar qualquer possibilidade e oportunidade para viver com a máxima satisfação. Você não é covarde, você mostrou a sua coragem e grande capacidade, matando aquele senhor feudal poderoso. Esqueçamos tudo !"

Assim, decaindo dia a dia, continuaram a sua viagem de fuga. Um dia, chegando a uma encruzilhada, próximo a uma aldeia, em um lugar montanhoso ao sul do Japão, constataram que todas as suas posses haviam sido consumidas na viagem e que não poderiam ganhar dinheiro trabalhando normal e honestamente. Então resolveram roubar. Eles aprenderam vários modos de roubar. Roubavam principalmente de viajantes e passantes ricos que se aventuravam pelos caminhos das altas e arborizadas montanhas. Se as vítimas lhes entregassem o dinheiro e bens sem protestar, eles nada mais lhes faziam, mas se oferecessem resistência, eles usavam de violência e até as matavam. Mataram quase vinte pessoas, entre comerciantes, viajantes e passantes, sempre se deslocando de um lugar para outro, escapando do controle policial. Durante três anos eles viveram assim. Quando começava a primavera, depois de um inverno rigoroso, aumentava a quantidade de viajantes e eles ficavam mais animados, pois havia mais lucros.

Certa vez, em uma tarde ensolarada de primavera, Oyumi e Ichikuro viram aproximar-se um casal de jovens recém-casados, muito bem vestidos. Com um olhar, Oyumi sinalizou para o seu companheiro iniciar o assalto. Correndo pela floresta sem fazer barulho, Ichikuro foi ao local mais favorável para o ataque. Esperou alguns minutos atrás de uma grande árvore, desejando que o casal entregasse suas posses sem resistir, para não precisar usar de violência, porque não queria roubar a vida cheia de felicidade e alegria dos jovens. Logo que se aproximaram, andando rápida e ritmadamente, tiveram seu caminho fechado repentinamente por Ichikuro, que avançou proferindo palavras ameaçadoras. O jovem, que era um samurai, postou-se firmemente em atitude defensiva, protegendo sua mulher atrás de si, empunhando a espada. Ele não pretendia entregar nada e mostrou sua vontade de lutar. Ichikuro bradou: "Não arrisquem suas vidas preciosas, entreguem-me todo o seu dinheiro obedientemente !" Mas ao findar essas palavras, o jovem samurai arremeteu contra seu oponente que, mais experiente na luta, lançou-o por terra com um só golpe de espada. Nesse momento, aconteceu outra tragédia. A jovem esposa, que presenciava a luta, inconformada com a perda do marido, suicidou-se com a sua espada curta.

Ichikuro sentiu um choque profundo, porque até aquele dia não havia tirado a vida de um jovem e agora era o causador da perda de duas vidas na flor da idade. Pegou o dinheiro das vítimas e fugiu depressa do lugar, correndo pela mata até a presença da sua companheira criminosa. Entregou dois sacos de dinheiro nas mãos de Oyumi. Ela porém, verificando a quantidade roubada, zangou-se com ele, julgando-a insatisfatória. "Por que você não pegou o seu vestido de seda, o seu anel e o alfinete de cabelo ?", inquiriu-o, referindo-se à moça. Ichikuro nada respondeu. E Oyumi continuou interrogando-o implacavelmente: "Além de ter assassinado os dois, por que não pegou todos os seus valores ? Não entendo você, não é um principiante nesse trabalho. O que está pensando ? Responda !"

Ichikuro nada respondeu, continuava sentado silenciosamente, com a cabeça baixa e os olhos fechados. "Agora volte lá e traga-me todos os outros valores !" gritou Oyumi, grosseira e irritada. Ichikuro nem levantou a cabeça. "Você é um covarde, um idiota ! Se não tem interesse nas coisas de valor, eu vou lá buscá-las sozinha !" bradou ela. Assim, levantou-se e, correndo pela mata, foi finalizar o saque revelando, mesmo de costas, o seu pensamento energúmeno.

A confusão que ocorria dentro da cabeça de Ichikuro estava pressionado-o violentamente. Parecia que a sua cabeça ia estourar. Ele nunca mais havia sentido felicidade, alegria, tranquilidade, desde o começo da sua viagem como fugitivo com a sua companheira. Pelo contrário, só havia sofrimento e a sua consciência criminosa o atormentava cada vez mais forte e insuportavelmente. O sofrimento acumulado de Ichikuro chegou a um limite extremo. Ele levantou-se rapidamente, tomando uma decisão definitiva e absoluta. Desceu correndo para o meio das montanhas, na direção contrária à de Oyumi. Correu sem pensar, sem parar e sem descanso, noite adentro.

(continua)

Humberto DF
Enviado por Humberto DF em 22/04/2007
Reeditado em 27/04/2007
Código do texto: T459933