Tijirimias

Celebrei a memória de tikandin, mas tantos tios ainda merecem uma palavrinha. Tijirimias, branco, todo rosado, bochechas do sol de Itaporanga d’Ajuda dos idos anos da segunda metade da década de cinquenta. Era carequinha, os fios do cabelo eram finos fios da mais brilhante prata. A primeira vez que o vi, estava diante da casa onde morava, em um descampado de um sítio enorme que lhe pertencia. A mulher era tão jovenzinha que eu cheguei a pensar que fosse filha. Havia uma escadinha de crianças, ela estava grávida, o barrigão e, nos braços, uma criança que nem havia completado um ano de idade. Diziam outros parentes, sem a menor sombra de dúvida, que todos os filhos eram realmente do tijirimias, pois o vizinho mais próximo morava a muitas léguas dali e eles não recebiam visitas. Era tijirimias, sua bela tabaroinha e uma corda de crianças. Tijirimias ali, naquele descampado de tanta ventania ao redor das jaqueiras, parecia mais ser uma invenção, uma visão, qualquer coisa totalmente diferente do que eu via na cidade. Na cidade eu via aqueles homens metidos nos ternos e gravatas, sapatos lustrosos, chapeus. Acreditem, o tijirimias cavalgava e, quando voltava da cavalgada, estava quase pra abrir a pele em vermelhidão. Os olhos azuis, tão azuis e cheios de sol, conseguiam encandear olhos negros e castanhos, desacostumados com tanto céu no rosto de uma pessoa. Que azul era aquele dos olhos de tijirimias, eu me perguntava e me respondia que ele havia lavado os olhos com anil de alvejar as camisas brancas que usava. Fui crescendo, ficando mocinha, mas lá uma vez ou outra era que íamos visitar o tijirimias que não era de conversar, mas era de fazer filhos. Quando fiquei mais maliciosa, comecei a criar fantasias sobre as cavalgadas demoradas do tio, quem sabe ele ia ver outra tabaroinha, pois aquela que tinha já estava estragada de tanto parir. Essa raça de meu pai era assim tudo doido por mulher, por forró e por espaços sem fim nos campos onde nasceram. Tijirimias, diferente do tikandin, não fumava, não bebia, mas mulher era com ele mesmo. Fiquei sabendo que não perderia para o tio Juca, nascido na cidade, mas que, de tanto gostar de mulher, conseguiu quebrar uma perna ao pular a janela de um sobrado no qual se encontrava com uma mulher casada. Naquele dia, o dia do pulo, o marido traído chegara de surpresa. Tio Juca pulou a janela, quebrou a perna e ficou andando de bengala para o resto dos seus dias. Tinha também dois lagos azuis naqueles olhos de olhar moças bonitas. Mas eu estava mesmo falando era do tijirimias. O tempo foi cumprindo sua sina de rolar por aí por esse mundo velho e enganador. Nessas voltas que sempre deu e ainda dá, o mundo levou tijirimias para algum paraíso especial, repleto de tabaroinhas para ele fazer filhos.