Injustiças da vida

 
Realmente, a vida como se nos apresenta, como a temos que a viver, é injusta para conosco. Parece-me que o ideal seria que ela fosse como em “A vida deveria ser de trás para frente”, texto de Charles Chaplin que traduzi e bem retratado no filme “A incrível história de Charles Button”, em que se nasce como um velho, retorna-se aos tempos de juventude e morre-se como um feto, retornando ao orgasmo cósmico de nossas criações, ao momento em que fomos gerados.

Desta forma a que somos obrigados a vivê-la, tem-se a sensação de que os períodos estão realmente invertidos, como se fossemos primeiro ao recreio, antes mesmo de nos quedarmos a estudar por um breve tempo, a recebermos a recompensa antes do bem cometido, a comer a sobremesa antes da própria refeição, e isto me dá uma sensação de vazio, de inutilidade.

Quando se chega quase aos setenta anos, como eu, e se olha para os lados, em busca dos tantos bons amigos que preencheram nossos dias e tardes em nossas juventudes, quando se procura os tantos amores vividos e por quem tanto sofremos, amamos e choramos e não se os encontra, posto que partiram para longe ou faleceram, o sentido de impropriedade logo me vem à mente, assaltado por esta saudade doída de um tempo que passou e que não mais voltará, porém sempre lembrado.

A tantos amigos cujas amizades cultuo e que passaram em minha vida, aos Carlinhos, Juracys, Zecas, Zé Luiz, Adilson, Nandos, Teófilos, Turenes, Nilos, Edsons, Gugus, Toninhos, Manecas, Rogérios, Sérgios e tantos outros que ainda hoje povoam minhas noites insones, roubando frutas em quintais, tomando banho na Pedrinha ou no Pocitos, descendo pelo rio em jangadas feitas de bananeiras, quedando-nos no Mata Fome e pegando piabas com puçás feitas com as próprias camisas, saltitantes em seus ciclos de procriação e subindo até às nascentes ou empreendendo expedições ao alto do Belo Monte, me dá uma sensação de abandono, faz-me sentir só.

Às tantas namoradas e amigas queridas, quase irmãs, que preencheram as tardes de sábados e domingos, passeando embevecidos pela praça, às vezes de mãos dadas a mostrar o imenso amor que sentíamos mutuamente, o carinho do reencontro diário para as aulas, o desfrutar das noites a dançar nos encontros da Coreia, o sentarmo-nos juntos, mãos dadas para as sessões de cinema, os primeiros beijos, as primeiras carícias, as Elianes, Suelis, Auroras, Marias Helenas, Neuzas, Sonias, Lúcias, Penhas, Vanuzas, Creuzas, Angelas, Luzias, Anas, Lias, todas elas, cada uma delas com suas particularidades e seus encantos, embeveceram estes dias para sempre gravados em minhas lembranças e eternizadas em corações gravados na figueira da praça e em tantas outras árvores de nossa cidade, amadas por mim e por meus amigos.

E não consigo entender as razões da vida para que nos separássemos assim, conduzindo-os para paragens distantes, muitos deles e delas com as vidas ceifadas precocemente, sem que tivessem me preparado psicologicamente para estas perdas.

E hoje, quando vem a noite e a saudade se faz mais presente, quando já não mais resisto à tristeza imensa de suas ausências, com os olhos marejados de lágrimas, ponho-me a caminhar pelas ruas desertas, acompanhado por meus fantasmas e das imagens de tantos amigos e amigas que se foram e me deixaram para trás, sozinho, e somente vigiado pela imagem do Cristo que me observa do alto em que se posta, retorno a cada um dos recantos de minha cidade, hoje tão esquecida e maltratada, recantos não mais existentes que também integram este mosaico de saudade.
LHMignone
Enviado por LHMignone em 04/12/2013
Reeditado em 04/12/2019
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