Fued - um turcão a 120 Km por hora

Fued Yazejy era seu nome e para início de conversa, era sírio-libanês legítimo, o que faço questão de ressaltar em consideração à enorme amizade que tínhamos e que veio para o Brasil como resultado do fim do império otomano, detestando que o chamassem simplesmente de turco, como era comum em Mimoso, que reuniu a maior colônia de imigrantes no Espírito Santo no início do século passado. É que, entre si, os povos da região têm intensa rivalidade e este costume brasileiro de alcunhá-los a todos como “turcos” realmente o insultava.

Aliás, dizia-se que a nacionalidade deles dependia pura e simplesmente do estágio financeiro em que se encontrassem, começavam como palestinos e depois galgavam às condições de turcos, sírios, sírios-libaneses e finalmente libaneses, à época os mais abastados. Ultimamente, com o advento do petróleo, acrescentou-se uma nova categoria, a dos árabes, o que nem mesmo vem ao caso.

Fued chegou a Mimoso por volta da década de vinte, trazido por seu tio, aqui convivendo com seu primo Amim, emérito relojoeiro de nossa cidade e cujas histórias serão contadas em outro capítulo.

De meu pai, seu grande amigo, herdei a consideração, respeito e amizade de Fued, mantendo-a e preservando-a apesar da diferença de nossas idades, já que o “turco” era uma pessoa amiga e chegada a um bom papo e, principalmente, às “sacanagens” típicas das cidades do interior, onde todos se conhecem e se consideram como autênticos irmãos.

Por muitos anos, também fez-se amigo de Seu Justino, funcionário do Banco do Brasil que aqui chegou vindo de Brasília na década de 60, confinado em Mimoso por suas convicções ideológicas. Seu Justino é pai de minha primeira mulher, Isabel, que, à época do fato ora relatado, morava em Niterói, onde igualmente morava a filha mais velha de Fued, cidade para onde eu retornava em meu carro todas os finais de semana.

De todas as vezes em que nos encontrávamos aqui em Mimoso, Fued dizia que estava querendo ir a Niterói visitar sua filha e me pedia que, quando o fosse, lhe desse carona, a fim de evitar uma cansativa viagem de ônibus ou de trem. E assim, o fiz, por três ou quatro vezes retornando quando já estava próximo da fazenda Pratinha, por lembrar-me que esquecera do “turco” – e de todas as vezes ele se recusava a ir comigo, alegando que não andava com malucos, que sabia de minha fama de corredor, já que possuía um corcel “envenenado” e com que disputava provas de rallye.

Sempre que aparecia uma oportunidade, Fued ia me visitar em meu posto de gasolina, à saída de Mimoso, simplesmente pelo prazer de bater papo ou até mesmo por não mais ter o que fazer na cidade, que prosseguia em sua caminhada bucólica em direção ao marasmo em que se encontra hoje.

De certa feita, final de mês em que me encontrava assoberbado de trabalho, ele surgiu e após algumas horas de papo, pediu-me que o levasse de carro de volta à praça, ao que ponderei que não poderia fazê-lo naquele momento como sempre o fiz, pois estava com muito trabalho naquele momento. E o turco insistia, apelando para nossa amizade para que o fizesse. E o fiz, porém não da forma como ele pretendia...

Tão logo sentamo-nos ao carro, pedi-lhe que colocasse o cinto de segurança como eu o fizera e, assim que devidamente amarrado ao banco por um cinto de quatro pontas e com as portas trancadas, dirigi-me para o centro velozmente e, ainda na área do posto, dei um “cavalo de pau” e me dirigi em direção à saída da cidade, à toda velocidade, com Fued agarrado ao banco, pálido e tremendo.

As curvas próximas à usina foram feitas “quadradas”, isto é, ia até seus limites e então aplicava um golpe de direção brusco retornando à pista e Fued, apavorado segurando-se ao banco, somente gritava – “charmuta, ralabatucha, raradine, filho da p..., você vai nos matar assim...”, indo até a fazenda da Pratinha, de onde retornei, pois o “turco” realmente estava passando mal, semidesmaiado e o conduzi ao hospital para ser medicado da hipertensão que o acometera.

Fiquei alguns dias sem vê-lo, porém sabendo que ele estava passando bem e dias depois, ao ir ao Banco do Brasil, o “turco” foi atendido por Beto Perciano, a quem já contara toda a história e este, após atendê-lo, perguntou se ele ainda estava procurando carona para ir a Niterói, ao que ele assentiu.

Beto então disse-lhe que justamente eu estava indo para lá naquele momento e se ele quisesse ele poderia ir comigo, ao que Fued se descontrolou e o mandou para a p.q.p., pois nunca mais entraria em meu carro ou falaria comigo...

Com enorme tristeza vi este grande amigo falecer, anos após, restando, além das boas lembranças de sua camaradagem, de seu jeito amigo, sincero e leal de ser, a amizade ora perpetuada por seu filho Edson, a quem dedico este relato, que compõe minhas melhores recordações de Mimoso, cidade onde nasci, cresci e ora vivo, mesmo sem a companhia de tão bons amigos.
LHMignone
Enviado por LHMignone em 04/12/2013
Reeditado em 06/01/2014
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