Tikandin

Vamos ver se o leitor consegue comigo realizar a proeza linguística de pronunciar as seguintes palavras: Ti Candin, tiu Candxin, tikandin, txikandinhu. Estas eram algumas das pronúncias que eu e todos os meus primos conhecíamos para o tio Candinho, que, na verdade era tio Cândido. Isto é o que eu imagino, pois nunca me encarreguei de saber o verdadeiro nome de batismo de tikandin. Minha mãe gritava do fundo do quintal: lá vem seu tio Candinho. E a gente ficava alegre demais pela chegada do tio. Quando corríamos para a calçada, ficávamos com cara de tacho, pois, cadê o tikandin? Mãeeeeeeeeeeeeeeêeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee, não tem tikandin nenhum aqui. Tem sim, é que ele ainda vem subindo a ladeira e vocês não conseguem ver. E como você pode ver, mãe????? Eu sei que ele vem subindo, aponta já na ladeira, fiquem aí olhando. Diga como você tá vendo o tikandin, diga, diga, diga. Eu não estou vendo, estou sentindo. Mas como isto poderia ser a gente não entendia. Mas como adorávamos o tikandin, a gente ficava de olho duro na ladeira. Eu sei que seu tio está vindo aí porque do quintal já dá pra sentir o cheiro. Cheiro de que, mãeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeêeeeeeeeeeee? Cheiro de tio Candinho. E que cheiro é que a gente não sabe? Não sabe quem não quer, mas o cheiro do tio Candinho não tem quem aguente, é aquela baforada do charuto dele. Ah, mas a gente acha tão cheirosinho. O cheiro do charuto se confundia com o cheiro do tio ou o cheiro do tio se confundia com o cheiro do charuto. Ele apontou todo malemolengo lá na ladeira. Ói eleeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee, o tikandin. Vinha de São Cristóvão montado num burro. Não sei até hoje dizer quem era mais velho, se o tio ou o burro. Tikandin usava um chapéu preto, bem amarrotado e queimado pelo sol da estrada. E pela chuva também. Ele naquele burro era parte da natureza. E a natureza amava o tikandin. Quando parava o burro (ou seria jegue?), largava uma cusparada para o lado de fora da rua principal da cidade. O animal se estremecia todo e trocava a posição de descanso das patas, uma a uma. Tikandin puxava os arrelhos para fazer parar o bicho. Ajeitava um pedaço bem curto de um charuto que parecia haver começado a fumar na Idade Média, pois sempre que chegava só tinha aquele toquinho. Rodava o toquinho pela boca toda e até dava umas lambidas pra ficar mais ajeitado, riscava o fósforo, a baforada subia pelos ares e entrava pelas casas. O tikandin chegou. Depois de boas e azuladas baforadas, ele dava uma pigarreada, ajeitava os caçuás, segurava o cós das velhas calças, lambia os beiços e gritava para dentro de casa enquanto a gente pulava de alegria: Mariaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, ô Mariaaaaaaaaaaaaaaa. Era assim que chamava pela mulher do sobrinho dele. O tio era por parte de pai, mas amado por todos, tinha até vizinho que também o cumprimentava com um bom dia, tikandin. A cada frase um pigarro que vinha do constante uso daquele poderoso charuto inacabável. Depois de muitos anos, nem sei como, nem sei por onde se meteu o tio. Penso que ele se desfez misturado à fumaça forte e azulada do seu querido charuto. Eu penso que no céu se pode pitar um charutinho, pois o tikandin era um anjo que trazia frutas de lá do sítio em São Cristóvão.