EMPRESA SEMÁFORO
Amanhece...mas as suas vidas... nem tanto!
Alí, num barraco de tábua batida "a pique", a janela emperrada range e a luz do sol luta para entrar enquanto um bem -te -vi afinado encoraja as primeiras horas do dia.
No bule ferve um resto de café amargo e mal guardado que juntamente com um teco de pão sonolento amparam-lhes a fome.
Chinelos "havaiana" surrados, encardidos, lentamente os arrastam para o caminho de sempre, sábio conhecido que os conduz com caridade para a "empresa" chamada semáforo.
Quem sabe é a empresa responsável pela melhora de algumas estatísticas que vez ou outra são anunciadas por aí...posto que lá há cargos para tudo e emprego para todos!
Alí não existe exigência de idade ou de conhecimentos técnicos, apenas o aprendizado de vida aonde muito cedo se percebe que o estômago urge.
Noto que no meio da criançada falta aquela vivacidade barulhenta própria das infâncias felizes e saudáveis.
Seus rostos são rudes e muito cedo trancam-se para o carinho e para o sorriso.
Na alvorada, então, dividem-se em batalhões ambulantes,cuja logística da organização empresarial me assombra.
E notem, jamais tiveram escola.
Enquanto uns tomam a dianteira e rapidamente distribuem balas aos retrovisores na fila do trânsito, outros já se dão conta de recolherem as moedas ou os pacotinhos rejeitados, antes que o semáforo se abra.
E um lacônico bilhete nos informa exatamente assim:
"UM REAL. POR FAVOR,ESTOU DESEMPREGADO...AJUDE A AJUDAR..."
Logo adiante pequenos malabaristas assumem o seu papel, a distrair motoristas com sua arte circense, não a do Soleil, mas a do tal do "CIRCO SEM SOL E SEM PÃO", uma variedade artística bem mais difícil e mais comovente do que as demais que conheço.
-Tia posso limpar o pára -brisas?
Alguém assustado levanta o vidro insufilmado.
Meia noite e a cidade não pára...e nem a empresa semáforo, que funciona diuturnamente.
E A CENA VERÍDICA DO DIÁLOGO MAIS ÁCIDO QUE JÁ TRAVEI NA VIDA:
-Tia, tem trocado, ou ticket, ou passe...ou qualquer coisa?
-Quantos aninhos você tem?
-Cinco, tia. Fiz hoje!
-Mas ainda essa hora na rua, nesse frio?
-Tô trabalhando, tia!
-Aonde você mora?
-Logo alí, tia, tá vendo o barraco? Mas já tô indo pra casa...tchau...
Aproveito o verde, e sigo pensativa...perplexa.
"Quantos semáforos fechados para a vida, meu Deus..."
Olho para a luz da lua que, qual o sol, briga para adentrar a escuridão do barraco, tão escuro quanto a perspectiva daquelas almas de serem enxergadas para ao menos se iluminar os projetos da infância desmoronados, no duro asfalto das avenidas.
Uma onda de esperança me invade:
Quem sabe, um dia, alguém os enxergue...