Todos os Felipes que estão por aí

Ela é como aquelas crianças que as mães beliscam: não consegue conter nada, nem choro e nem riso. Embora seja gente grande, se for preciso ela irá chorar na rua mesmo. E como há motivos para se chorar nas ruas! Outro dia ela caminhava quando viu um garotinho de oito, nove anos, vindo na sua direção. Pareceu-lhe que estava drogado. Viu que carregava uma garrafinha, mas não sabia se com cola ou álcool. E esse garotinho gritava, chamando a atenção das pessoas na rua. Mas quando parou na frente dela, se acalmou e disse: “Não precisa ter medo de mim, senhora”. Ela respondeu que não estava com medo. O menino continuou: “A senhora é muito bonita”. Agradecida, ela retribuiu o elogio. E ele ainda quis saber: “Qual é o seu nome?”. Ela disse o seu nome e ficou sabendo que o dele era Felipe. Em seguida Felipe se despediu, falando ainda “Deus te abençoe, senhora”.

Foi o que bastou para que ela se debulhasse em lágrimas – e o povo todo olhando. Ela havia ficado tão surpresa com a mudança de comportamento do menino que nem soube direito como falar com ele.

Apenas teve consciência de que tudo aquilo era triste, triste como tudo aquilo que não consegue mudar. Quando chegou em casa, fez uma oração por ele e por todos os Felipes que estão por aí. Pediu ainda que não fosse contaminada por todo o mal que existe no mundo. Porque ela sabe que também tem pensamentos muito feios. Hoje mesmo, ela viu um senhor idoso brincando com algumas crianças na rua. Ficou feliz ao ver a cena – chorou de novo – e ficou imaginando as coisas ele pensava, provavelmente recordando a sua infância, lembrando o quanto já viveu. Mas foi então que lhe ocorreu uma terrível hipótese, a de que aquele senhor fosse, na verdade, um pedófilo. Enquanto pensava nisso, seu semblante se tornava mais pesado. E ela acha que isso significa que já foi contaminada, porque não consegue pensar na pureza por muito tempo.

Se isso for mesmo verdade, ai de nós, minha irmã. Ai de nós.