A PROFESSORA DE MATEMÁTICA
Odir Milanez
 
Não sei por qual razão, mas quanto mais o tempo por mim passa mais eu passo a ser passeios no passado. Ontem à noite mesmo, com  o notebook nocauteado e sem mais o que fazer, voltei, quase que visualmente, à vida vivida aos dez anos de idade.

Primeiro ano ginasial em educandário público, lá estou matutando a matemática. A professora, bonita como quê, pernas de enlouquecer à mostra, olha-me, de soslaio, de quando em vez.

Temida por todos, em razão do rigor das regras radicais redigidas e do respeito que imprimia através do olhar – olhar que marcava todos os meus atos durante a aula, desde que me flagrou filando, por três vezes, através de tiras de papel pregadas na sola do sapato - ela sempre se situara acima do respeito que rendíamos aos demais mestres.

Filho de pai de poucos recursos financeiros, para cada semestre eu contava com uma farda apenas. Invariavelmente, após o terceiro mês os bolsos da calça abriam acesso às minhas mãos, carcomidos nas costuras.

Muito bem. Nessa manhã, senta-se ela bem à minha frente, a saia mais curta do que o corte costumeiro, e cruza as pecaminosas pernas! Minha reação é instantânea. Enfio a mão no bolso sem bolso e me entreto nos tatos.  De repente, vejo-a me vendo e lhe ouço a voz vigorosa:

- O que é que você tem aí no bolso, menino?
Tremo nas bases. Mudo de cor e emudeço. Mas ela não!
- O que é que você está escondendo no bolso?
Penso numa saída, antes que ela me faça ficar de pé.
- É uma borracha, professora.
- Deixe-me ver!

E vem!  Apavorado, começo a rezar pedindo uma saída ao Santo Par de Pernas que de mim se aproxima a passos lentos. Reza vã. Após me ver de mãos vazias ela invade o vão de meu bolso e volta, voando, à catedra, de onde diz em bom tom para por todos ser ouvida:
- Pela primeira vez você não me vem com inverdades. Mas lugar de borracha é sobre a carteira, junto ao lápis!
  
E nos dois anos seguintes em que a tive como mestra, nunca mais a notei vigiando os meus atos, mesmo me sabendo um filante inveterado, notadamente em notações numéricas. “Apenas contigo e comigo, tempo, tempo, tempo, tempo”, como nos canta Caetano...

JPessoa/PB
30.11.2013
Oklima
 
 
 
oklima
Enviado por oklima em 02/12/2013
Reeditado em 02/12/2013
Código do texto: T4595122
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