Cartas entre José e Maricota
José era tímido, por natureza e excelência. Tinha lá seu complexo de inferioridade, gerado, polido e aperfeiçoado durante muitíssimos anos, que nem mesmo os melhores analistas dariam jeito. Disfarçava. E achava que os amigos o julgavam feliz, embora sozinho. E achando que enganava todo mundo, se enganava e se sentia realizado por fora. Suas coisas e seu modo de vida, não lhe deixariam dúvidas: qualquer um o julgaria realizado. Não era.
Tinha pavor de solidão, medo do futuro, da indiferença e inventava joguinhos e recompensas para aproximar as pessoas do seu redor – que talvez fossem mais por complacência do que por amizade. Era um desesperado. Tinha anseios de velho, mas era novo. E martirizava-se por não aproveitar a vida. Tampouco mudava seus hábitos.
Nos últimos tempos, andava tomando, muito por conta própria, alguns ansiolíticos e antidepressivos de receita controlada que um conhecido do Largo do Machado lhe arranjava.
Isso foi no tempo das correspondências. E, sabe-se lá como, José começou a se corresponder com uma tal de Maricota, recém chegada ao Rio e que, admiravelmente morava a apenas algumas quadras do apartamento de José. Trocaram algumas fotos por carta e elogiaram-se. Os elogios de Maricota, entretanto, pareciam muito mais verdadeiros do que os de José, que olhava para o retratinho e falava: “é isso que me sobrou?!”. Suas opções, no entanto, eram poucas, e ele se conformava com aquilo mesmo.
Mais uma vez batia-lhe o complexo de inferioridade, e, temendo a recusa de Maricota, que lhe adorava, nunca tinha coragem de se encontrar pessoalmente com ela. Maricota escrevia-lhe, dava-lhe seu número de telefone, queria marcar almoços, boates, passeios à praia. E José, agora muito mais por sua timidez, sempre inventava desculpas, que estava viajando, que estava longe, e refutava os convites. Maricota elogiava as cartas de José, a caligrafia, falava em romance, em casamento, em construir vidas.
José pensava que Maricota era uma maluca, nem se conheciam – como podia ela sonhar tantas coisas? Era uma desesperada, na certa (o desesperado era ele). Em suas febres de loucura, José ainda achava que Maricota era uma aproveitadora, facínora, que juntava peças para se lhe aproveitar a qualquer momento.
Embora solitário e com tendências para grave tristeza, José sempre se mostrava altivo e soberano nas cartas, muito feliz – aliás, como tentava fazer para os amigos. E Maricota ficava convencida.
Por natureza, José era também, e além de tudo, bom detetive. Função que essa que, se profissionalizasse, o faria um dos grandes. Assim com pequenas informaçõezinhas que Maricota lhe pingava gota-a-gota nas cartas, José traçou-lhe o perfil e desvendou muita coisa sobre sua vida – o que lhe fez ficar tranquilo.
Aos poucos, entretanto, foram surgindo pequenas historietas que chocavam José: havia um caso de aborto não esclarecido de quando ainda Maricota morava em Minas e uma vida de pequenos excessos que foi se aflorando nas cartas. José, claro, se escandalizava, repreendia-a – muito levemente – e pensava “nunca!”. Mandava cada carta achando que fosse a última. Tinha então alguns espasmos estomacais e sentia-se solitário.
Alguns dias depois, nova carta chegava e José, aliviado, suspirava: não era tão mal assim.
O caso é que de indiferente, José, pouco a pouco foi se tornando apaixonado pela mulher mistério. A cada vez que bebia, à noite, pensava nela. Assim como antes de dormir, e ao acordar, e no ônibus. Às vezes ficava passando na frente do seu prédio compulsivamente, esperando que ela descesse. Mas não a chamava, pois sua timidez não permitia – e a recusa seria desastrosa.
E, numa viagem que durou um mês, correspondia-se freneticamente com Maricota, que, a esta altura e depois de tantas negativas por parte de José, já não estava tão interessada assim. A cada dia, José tornava-se mais apaixonado e revia os retratinhos – puxa, como era linda sua Maricota.
Na volta, veio agarrado com um retratinho e pensava na sua amada a cada instante. Teriam casa, formariam uma pequena família. E seriam felizes para sempre.
Ao chegar ao Rio, num domingo, José telefonou, pela primeira vez, a Maricota que, embora fosse quase noite, atendeu-o sonolenta. Não poderiam se encontrar naquele dia, ela não estava bem. Na verdade, estava apenas cansada de uma divertida noite anterior.
José entendeu. E a chamou nos dias seguintes. Maricota se esquivou com as mais diversas escusas: muito trabalho, lavando roupa, com uma amiga no telefone, a mãe que viera lhe visitar. Um dia, José se achincalhou todo para Maricota: disse que era feio, baixo, muito magro, que os ossos lhe saltavam à cara. Falou tudo que realmente achava sobre si e que, prudentemente, havia tentado camuflar durante todo o ano que se corresponderam. José queria que Maricota sentisse pena dele, e que o amasse fosse como ele fosse. Queria mais, queria ter a certeza de que Maricota o aceitaria antes de se encontrarem de fato.
Maricota desligou o telefone e olhou mais uma vez para os retratinhos. Deu razão a José: ele não era nada daquilo que ela achava. Ficou desanimada e foi se deitar.
José, no dia seguinte, notou a bobagem que fizera e ligou desculpando-se. Maricota entendeu e finalmente marcaram um encontro, para aquela quinta-feira, às 21h, em frente ao Rian. Dariam um passeio na praia. José tentaria levar Maricota ao cinema e assim, seriam felizes para sempre.
Encontraram-se.
José achou Maricota linda, perfumada, inteligente e de boa conversa. Bateu muito seu coração e sentiu-se verdadeiramente apaixonado. Maricota era tudo aquilo que ele desejava. Era perfeita, uma deusa mesmo.
Maricota confirmou a opinião que o próprio José fizera sobre ele: que era baixo, muito magro e, além de tudo, suava demais. Andaram até o Arpoador e, quando começou uma tempestade de areia, José puxou-a para uma rua interna. Voltaram tranquilos pela rua, ao som de grilos e barulhos de televisão.
José apaixonadíssimo, Maricota, entediada, mas tentando mostrar-se interessada nos assuntos de José.
Chegaram até a rua de Maricota e se despediram com um cumprimento de mão. Ela desejou boa sorte a José, que foi embora, pela Avenida Atlântica chorando muito e se sentindo um imbecil.