PEGANDO O BECO
Por Carlos Sena (Da coleção “Textículos”)
Por Carlos Sena (Da coleção “Textículos”)
Hoje, sábado, procurei demônios em volta. Dentro de mim nem demônios nem frangas pra soltar, que horror! Corrijo-me: nada de horror, porque por falta do que pegar, peguei o beco. O beco não estava escuro, mas não encontrei a luz inteira dos meus demônios singulares que normalmente nos acomete aos sábados. Peguei o beco. Beco sem Baco, posto que depois da lei seca, não bebo, não sou bobo. Mesmo sabendo que minha bebida se resume a uma caipirinha, um copo de cerveja, um copo de gente. Prefiro gente. No beco há gente espalhada pela avenida atrevida que entrega à noite as orgias que os dias nunca dispõem em si. Jogar conversa fora, conversar miolo de pote, falar de sonhos – eis o que mais é significativo nas rodas de amigos em volta da mesa de bar, no beco. É que “mesa de bar é onde se toma um porre de liberdade”...
Adiantem os relógios. Mas, parem o tempo para que eu possa dormir na sombra das horas que os becos acalentam. Amanhã será natal novamente e, qual poeta, “mudou o natal ou mudei eu”? Talvez os dois. Meu beco não mudou: continua encurtado a partir de meia noite, talvez por conta de uma mentira boa que diz ser a noite uma criança. Acho mesmo a noite mais para mistérios do que para crianças, porque tudo se gasta quando se revela e à noite todo gato e pardo, talvez para ser vendido por lebre... Dentro de mim não há gatos, nem lebres. Há febre de amanhã, por falta de manha. Assim, no beco da imaginação consentida, quem sabe não encontre frangas presas querendo comigo se soltar? Melhor pegar o beco.