O diário de Aurora imita Anne Frank

Desde pequena a menina Aurora, que alcançou os treze anos, já não acreditava em Cegonha, cresceu conhecendo uma realidade que não admitia; brigas na casa dos vizinhos, notícias de assaltos, carros com alto som, freadas bruscas que antecipavam as colisões em frente a sua casa naquela avenida movimentada que ligava as ruas de subúrbio ao centro luxuoso da cidade, palco da guerra urbana. Mas ainda era pura, acreditava que um filho só nasce de um casal pelo legitimo casamento na igreja, em que a benção do padre ou do pastor é que colocava a sementinha da vida na barriga da mamãe.

Embora já não tivesse mãe, morta no assalto ao supermercado em que trabalhava, sua avó lhe dava o máximo de atenção e carinho, e de forma igual a outro pequeno neto, irmão de Aurora, todos vivendo em uma pequena casa de um quarto, cozinha, banheiro no quintal, pequena sala de visita onde o espaço era dividido entre dois velhos sofás e uma mesinha com a televisão a cores, mas que de tão antiga e com defeitos, por vezes mostrava a imagem em preto e branco que menina sempre agradecia a Deus por tê-la e complementava, “assim a gente não vê a cor do sangue!”.

O misto de menina mulher, com nome de Aurora que já fazia pequenos serviços para a vizinhança, como lavar uma louça, ir ao mercado, a farmácia, a padaria, e até ao banco para depositar dinheiro já aprendera a ir, no entanto mantinha a candura de uma menina-anjo que não perdia um domingo para ao ir ao culto católico pela manhã, em honra a memória da mãe que chegou a ser “Filha de Maria”, na matriz de São Francisco de Assis, cuja história seu pai sempre que a visitava, ritual que se repetia dia sim dia não, contava com detalhes a tornado-a mais bela e mais humana. Á noite dos domingos encerrava seu dia abençoado acompanhando sua amada avó ao culto evangélico.

Aurora já aprendera com perfeição a ler e também escrever, e o primeiro livro, além da Bíblia, que lhe cai na mão foi o Diário de Anne Frank, escrito por uma menina de sua idade de nacionalidade israelita, durante a fuga de sua família de Judeus da perseguição da Gestapo, durante a guerra deflagrada por Hitler, um austríaco que envergonhou o povo alemão, provocando o genocídio dos judeus em uma pátria que não era sua. Anne escreveu o livro durante seu refúgio da guerra, em um esconderijo, e dois anos após iniciar seu documentário, levada para um campo de concentração ali morre deixando uma obra por terminar, uma vez que a perseguição aos judeus continuou.

Então no refúgio da minúscula casa, fugindo da guerra urbana, Aurora começa a escrever seu diário cujo segundo capítulo é uma homenagem póstumas ao menino João Hélio Fernandes, cuja a violência da notícia a fez chorar, e desta vez a imagem da televisão se comportou tão bem, que as cenas das reportagens lhe chegaram em cores, como estivesse em um cinema de terceira dimensão, em sua cabeça veio as imagens que assistira de sua mãe morrendo. Mas, ela forte e deveria com seu diário levantar uma luz que chegasse as autoridades, um sol que nasceria de sua simplicidade. Pela manhã Aurora desperta e cruza a praça, naquele dia de guerra urbana e milícias, como milícia era a Gestapo... Uma bala perdida termina o trajeto da menina que seguia a escola. Este diário que o autor imaginou não é ficção, a rudeza do mundo o torna tão real como o Diário de Anne Frank!

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(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.