FILHOS E DORES CONSTITUEM-SE DE URGÊNCIAS
Era tanto por fazer, tantos compromissos de trabalho a serem cumpridos, e o dia correndo, que parecia terem sido instaladas asas nas pernas dele. Era, praticamente, um avião daqueles grandões, quando, taxiando, toma impulso para decolar. Sim, meu dia estava pronto para decolar, na febre do “é agora ou nunca”. Era necessário terminar coisas iniciadas naquela sexta-feira, antes que o sol se fosse.
De repente, chegou a filha para o almoço com os olhos que tão bem conheço, pedindo ajuda. Semblante preocupado, sorriso amarelo e choro prestes. Ela estava aborrecida com um pequeno contratempo que lhe atrapalhara os projetos.
Ara, ara, que mãe seria eu se não interrompesse tudo, para um abraço duradouro nela, que tanto me pedia um amparo. Os compromissos podem esperar e o trabalho pode ficar para depois, pensei. Filhos e dores não podem e não devem ser deixados para outra hora, porque ambos se constituem de urgências.
Abortei o voo, claro, e devolvi os pés na terra com esta certeza que só mãe tem: filho é filho!
Chamei-a para um abraço, daqueles que guardam bem e fazem sentir o tum tum do outro coração, ali grudadinho. Aproveitei a proximidade e lhe disse ao ouvido: descanse aí no sofá um pouquinho, feche os olhos por uns instantes e espante a preocupação, enquanto me ajeito, passo um batom e ponho o cartão na bolsa. Vamos passear nesta tarde, que será nossa, só nossa.
Lembrei-me, então, de um dia da infância dela, em que eu havia recebido o pagamento salarial e, depois de muitas privações, peguei naquela mãozinha santa e disse: hoje vamos comprar a boneca que você escolher. Ah! como foi bom!
Voltei das lembranças e ela escolheu, desta vez, o shopping para o passeio. Fomos à livraria e viajamos muito em capas de livros e orelhas. Ela escolheu três volumes dos quais necessitava para suas leituras estudantis e eu escolhi um, para meu deleite mesmo. Saímos de lá feito crianças, felizes com os presentes que nos demos.
Em seguida, demo-nos o prazer dos deuses e tomamos o melhor cappuccino gelado do mundo, naquele momento, claro! E uma torta salgada deliciosa. Esqueci-me do regime alimentar e, se me lembrei, fiz cara de pouco caso.
Os olhos de minha filha voltaram a brilhar como brilharam no dia da boneca por ela escolhida e meu coração aqueceu-se de amor.
O meu trabalho? Ah, sim, deixei-o para o dia seguinte. Para ele, toda hora é hora.
Dalva Carla Molina Mansano
30.11.2013
11:16