No tráfego sem trafegar...
 

          No tráfego da avenida mais longa da cidade, acontece de tudo... Não é que o tráfego em si  não seja útil, mas nos amola porque é lento, a passo de tartaruga, com alguns pulos de coelho. E aí, sua-se, bate-se samba na volante, movimentam-se todos os tiques, xinga-se quem quer ultrapassar vindo lá de trás, pede-se que as crianças se comportem como adultos  e até briga-se com a mulher. Contudo, o cortejo, vagaroso como um funeral sem féretro, vai adiante.  Pior se, à sua frente, estiver um caminhão de lixo soltando aquele bafo no seu nariz ou um carro de som gritando aos seus ouvidos altíssimos decibéis.  Tudo isso, mesmo se o caro leitor luta por uma vida mais cômoda, confortável, diferente das coisas que nos provocam estresse, labirintite, úlcera, dióxido de carbono e até câncer. Como suportar tráfego sem trafegar ou movimento sem se movimentar, quando precisamos do movimento?

          Dias atrás, tomei um táxi da praia em direção ao Centro. Mesmo tendo aprendido que “táxi” em grego, do mesmo jeito como se pronuncia, signifique “rápido”, ele andava como pedestre. O taxista conversador, tagarelo, esgotou todos os assuntos, calou-se e nada de chegarmos ao Centro. Preocupado, observava o taxímetro mais veloz do que o carro; comecei a fazer conta do que tinha no bolso: – O senhor pode passar por um Banco? Respondeu, coçando a cabeça, como se estivesse ali para qualquer destino: - Certo, lá no Centro.

          Parecia uma viagem, os carros trocavam de pista como procurassem atalho. De repente, aparece à nossa frente uma enorme camionete com o estepe protegido por uma capa de napa com a imagem de Nossa Senhora de Fátima, constrita, mas esboçando um sorriso como o de Mona Lisa, apesar daquelas agruras do trânsito. Retirei o motorista do seu silêncio, perguntei-lhe se colocaria o retrato da sua mãe no pneu do seu carro; ao que respondeu: - Claro que não. Insisti para que o assunto não morresse: - E de uma Santa, como a do carro aí na frente? Olhando-me já com olhar de reprovação, foi monossilábico: - Não, sou evangélico... A essa altura, estávamos na metade do percurso, então passei a refletir sobre os caminhos do futuro; imaginei que, se não houver confortáveis transportes de massa e cada um individualmente, como se tem sapato, usar carro, então não valerá a pena carro no tráfego sem trafegar...