A IDADE DA SABEDORIA

(louvação desabrida para João Justiniano da Fonseca)

Somente quem o conhece, como eu - e que tenho a alegria de curti-lo há mais de vinte e cinco anos -, pode aquilatar o quanto ele é importante para a vida, para o equilíbrio da comunidade associativo-literária, na articulação da Casa do Poeta Brasileiro – POEBRAS NACIONAL, nestes 2005, em que a entidade conta com cinqüenta e seis Casas de Poetas em doze Estados-Membros da Federação Brasileira.

Atual presidente da Assembléia Deliberativa da POEBRAS, desde 2003, é o conselheiro mais preeminente da Coordenação Nacional.

Há muito chegado à idade da sabedoria, que reputo ocorrer, no homem de Letras, por volta dos setenta anos, sempre nos surpreende com uma idéia, uma ação de alumbramento. Sendero luminoso de sapiência sem soberba. Ativista cultural de fazer inveja à mocidade, sempre tem uma palavra amiga, um conselho.

Personalidade avessa ao cortejo da fácil popularidade, maneja o verso e a prosa como um garimpeiro. Sempre tem uma palavra de conforto, mesmo que ele próprio dela esteja a necessitar, mesmo assim, está sempre pronto a colaborar, espiritual ou materialmente, para mitigar o sofrimento alheio.

Desprendimento é o que nunca lhe faltou. Deu e dá de si o que pode para que as coisas andem a serviço da coletividade.

Depreende-se isto de sua obra, na qual os personagens têm um perfil ético digno de nota, transparecendo, sem hipocrisia, a nitidez de ilibado caráter, quando criatura e criador se identificam.

Por vezes, percebe-se que o enredo é autobiográfico, relatos romanceados com fidedignidade. Nada em sua obra é fruto de pieguice, daquilo que é ridiculamente sentimental, mesmo que nele o lírico-amoroso se manifeste profundamente, principalmente na forma sonetística, em linguagem poética.

Devo-lhe muito. Tenho bebido água pura nesta fonte, há tantos anos, que a cada vez que fala alto ao telefone, fruto de sua admirável surdez, se acaso não percebo o fruir da espiritualidade plena, através dos seus ‘eureca!’, travestidos nos dialetais cantados do matuto sertanejo, fico preocupado e vou dormir apreensivo.

João nunca perdeu aquele jeito interior de homem do campo, brusco e impulsivo em sua indignação frente aos fatos comuns da vida, principalmente quanto às desigualdades sociais. De uma seriedade de fazer inveja aos homens de nosso tempo.

No amor, mesmo agora, aos oitenta e cinco anos, a paixão transparece como fora um adolescente. Aliás, o seu espírito não tem mais do que o tempo da puberdade.

Feliz de um país como o Brasil, imenso, continental, que tem este homem de idade provecta, que é, para o bem de todos, a voz do amor ao semelhante, e que, a cada dia esplendoroso, planta a semente dos desvelos, dos carinhos, como um anjo protetor dos aflitos e dos excluídos de todos os gêneros.

Que fale ao mundo a civilidade de Pedro Perpétuo do Espírito Jovem, de nome e alcunha estrambóticos, em “Memórias de Pedro Malaca’, um dos livros de João, personagem que nasceu na molecagem de rua, tal como os heterônimos de cada um nós, de alma pátria lusitana, os “Esteves, sem metafísica”, lá em Tabacaria, poema de Pessoa, escrito em 1928, no qual brigam o intelectual e o prático, tal como já ocorrera entre Dom Quixote e Sancho Pança, na obra de Cervantes.

Esta é a antítese presente em quase todos nós, escribas, que "carregamos mais humanidades do que Cristo", como escreveu o grande e lúcido português do universo, e que, para que a vida tenha sentido, somos condenados a pensar imersos no caos, a fim de que possamos recriar a existência, e venhamos a nos sentir capazes de mudar o mundo, nem que seja para daqui a mil anos.

Hosanas a João! Que caminhe para os noventa com a galhardia dos que amam, na certeza de ser útil, em nada omisso na delação da Palavra!

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e Poesia, 2006 / 2007.

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/459089