Um Novembro a Mais - II

Aos 12 anos, encontrei-me longe da família, em um casarão imenso, dirigido pelas Irmãs de Caridade, na cidade serrana de São Benedito, no Ceará. Ficaria interna no colégio por um período de cinco anos até concluir o Curso Normal. Somente nas férias de julho e dezembro, voltaria a casa para respirar o ar quente do meu sertão. Assim começou a segunda etapa da minha vida, onde o estudo ocupava setenta e cinco por cento do ano letivo. Aulas, professores, colegas externas, colegas internas, regulamentos a serem seguidos. E a vida corria sorrateira no interior daquelas quatro paredes, que estavam sendo o meu segundo lar. Durante os anos que passei no internato, aproveitei muito do que me foi oferecido em matéria de conhecimentos gerais, formação religiosa, arte dramática, musical e artesanal. Foi lá que comecei a fazer meus primeiros versos. Que completei meu décimo quinto novembro. Que doce recordação guardo daquele dia! Parabéns em uma casa de sítio em companhia das Irmãs e das colegas. Meu coração vibrava ao som do "Xote das Meninas" do nosso querido sanfoneiro Luís Gonzaga.

MEUS QUINZE ANOS

O coração sorria!...

Minh’alma flutuava...

Botão de rosa, feliz,

aos poucos desabrochava.

Dia de festa e leveza

de sonhos e de esperanças!

Dia de luz e de aromas

de transparências e encanto

de um salão feito à nobreza.

Dia de valsas de Strauss

de sons voluptuosos...

sobre ondas vaporosas

de um longo vestido rosa.

Menina-moça sonhava...

Raia o dia nas campinas

Dia de sol muito claro.

Um piquenique de escola

uma sala de chão batido

uma sanfona e viola

som do“Xote das Meninas”

muito agreste e divertido.

Sem ondas, era o vestido.

Homenagem mui querida

numa data tão feliz.

Menina-moça sorria,

desabrochando pra vida!.

**

Enfim, as férias! Rever parentes, amigos, passear nas pracinhas, ouvir serenatas, participar de serestas à luz do luar mais diáfano que meus olhos já viram, ir a bailes no principal clube dançante, encontrar os amigos, o primeiro amor, enfim aproveitar o mais que podia daquele presente merecido pelo esforço e dedicação ao estudo. Era uma festa para o meu coração de adolescente que sorria para a vida, perfumando os dias, os sonhos, os ideais, o amor ao som de "La vie en rose", "C'est ci bon", "Volare", "La Mer", "Luzes da Ribalta", "India", "Primeiro Amor" e outros mais que me faziam flutuar em lindos devaneios. Sempre nos períodos de férias, em minha cidade, tocava harmônio nos coros das Igrejas, ensaiava quadrilhas, fazia festivais de Natal a pedido do Vigário, para fins beneficentes. Foi uma adolescência voltada para as coisas construtivas das quais me orgulho em registrar. Uma fase coroada de sonhos, sons, cores e doces aspirações.

***

Ao voltar para minha casa, após o término do Curso Normal, aquele cabedal de conhecimentos tomara um novo revestimento, mais adulto, mais profissional, mesclado de responsabilidades e realizações. Estava com dezoito novembros. Comecei a lecionar no GINÁSIO MASSAPEENSE; na ESCOLA ESTADUAL WILLEBALDO AGUIAR, fui professora e vice-diretora;

fundei em companhia de uma colega professora Sra. Maria do Socorro Vasconcelos, um coleginho de 1º Grau intitulado "INSTITUTO DA VIRGEM PODEROSA", que eu dirigia e ensinava; tinha um curso de Datilografia que funcionava em casa, nas horas que me sobravam das outras escolas. Sentia-me realizada, pois já tinha definido nos meus horizontes, desde muito tempo, o ideal de ser professora. Sentia-me feliz em saber que estava colaborando com o desenvolvimento da minha cidade, ajudando a juventude a descobrir os caminhos que a levariam às suas realizações. Cada aluno era um diamante que me caíra nas mãos, para que o lapidasse com dedicação e seriedade. Em todas as Escolas onde lecionei, além das matérias que faziam parte do currículo, realizei trabalhos no campo da arte, que constavam de dramatizações, teatrinhos, orfeãos, organização de paradas cívicas, festivais em comemorações, letras de hinos, enfim deixei ali uma boa parte do meu trabalho de professora, transformado em frutos, cujos talentos brilham onde quer que se encontrem. Além do trabalho nos colégios, dei minha parcela de ajuda em outros setores, um dos quais a reconstrução da Igreja Matriz, organizando festivais, "Shows musicais" para angariar quantias, a pedido do Monsenhor Henriques. Tudo que fiz pela minha terra, minha querida Massapê, fi-lo com orgulho e amor. Não estou contando isso para vangloriar-me e merecer elogio de quem quer que seja, mas para que o meu esforço não fique perdido no tempo. Que aquele pequeno pedaço de chão saiba que foi muito amado por uma professorinha, sua filha, que nunca o esqueceu.

Paralelo ao que me referi, não poderia deixar de registrar o nascimento de meus três primeiros filhos, como a felicidade maior que já senti na minha vida. São a maior forma de expressão de amor que pude experimentar como mulher, em que meu coração cantou todas as aleluias e rendeu as melhores formas de louvores a Deus, por me conceder os mais ricos tesouros que jamais pensei merecer e possuir. Filhos da mesma cidade em que nasci desfrutaram por pouco tempo da simpática e aconchegante terrinha, pois tivemos que nos transferir para a capital, onde estamos até hoje. Aqui, em Fortaleza, nasceu o meu quarto filho, para completar a minha felicidade.

(continua)...

***

Maria de Jesus - Fortaleza, 07/09/2011

Maria de Jesus
Enviado por Maria de Jesus em 28/11/2013
Reeditado em 30/11/2013
Código do texto: T4590858
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