Um Novembro a Mais - l
Este ano, adicionei mais um novembro aos novembros da minha jornada. Pelo tempo que caminho, não saberia contar o número de batidas que meu coração acompanhou, em ininterrupta maestria, o hino da minha vida. Foram tantos os rítmos que embalaram meus sonhos, meus ideais, minha ânsia de encontrar a felicidade. Hoje porém, ao visualizar em um flash de memória a galeria de fases lindas e significativas da minha existência, vejo que minha infância surgiu não muito feliz, ao som cadenciado de marchas marciais, misturado ao estampido de armas, canhões, ronco de aviões, bombas apavorantes, à sombra da Rosa de Hiroshima! Mais de 70% do mundo viveu esse terror. A segunda guerra mundial.
Algum tempo depois, as marchas marciais desapareceram e deram entrada a outros ritmos alegres que invadiam os auto-falantes da minha terra natal. Ainda ressoam em meus ouvidos, os sons de "Alencarina bonita"; mas foi "na cadência infernal deste balancê", que numa tarde triste meu pai foi retirado da mesa do jantar e levado para a prisão, em minha cidade (não tem nada a ver com a guerra), acusado de um crime que não cometera, sendo liberado em seguida por falta de provas. O ritmo de minhas emoções, naquele dia, executou um prelúdio triste que muito me marcou, embora só contasse seis novembros no momento.
Houve, porém, dias claros, perfumados de brisas matinais, em que flores multicores se multiplicavam para alegrar meus dias primaveris, à luz de um sol amarelo, deslumbrando-me o olhar com o verde exuberante de uma montanha linda, que servia de cenário às ingênuas brincadeiras e cantigas de roda nos terreiros de casa. Registro aqui, o dia de minha 1ª comunhão! O vestido branco enfeitado de miosótis, a entrada triunfal da Imagem de Jesus Ressuscitado na Igreja Matriz, ao som do belo hino: "Ressuscitou Nosso Senhor/ glorioso, belo e forte, allelúia!" E minha vela enfeitada que não foi acesa no momento da comunhão, fato que até hoje não consegui entender... O 1º dia de aula. Ah! Foi um dos momentos mais felizes que já experimentei! Cheguei ao salão do Educandário, vestida no uniforme azul e branco, pasta de livros a tiracolo e um mundo aberto ante meus olhos! O coração só faltava explodir de tanta alegria! Era como se estivesse tocando "A Primavera" das "Quatro Estações" de Vivaldi. Meus boletins aprovados no fim do ano letivo, a visita às lapinhas de Natal, a espera do Papai Noel ao som de "Noite Feliz", a família reunida, faziam minh'alma flutuar numa etérea sensação de paz e felicidade.
Concluída a 4º Série do curso primário (hoje fundamental), chegara o dia de deixar o convívio da família para iniciar os estudos do Curso Ginasial em outra cidade, porque na minha ainda não havia sido equiparado. Contava eu 12 novembros. Sentia as pulsações do coração alteradas pela saudade que já começara a me doer, pelo fato de ter que ficar ausente por um certo espaço de tempo, vindo somente nos períodos de férias de julho e dezembro. Cada saída, deixava minha mãe, minha tia e irmãos a chorar, enquanto dentro de meu sistema sonoro reproduzia-se a música de Catulo da Paixão Cearense: "Saudades, guardo saudades aqui no meu coração / Da minha terrinha amada, saudades do meu sertão." // (continua...)
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Maria de Jesus - Fortaleza, 07/09/2011.