O homem que conserta guarda-chuvas
No centro da cidade onde moro, sempre que chove, aparece um homem que conserta guarda-chuvas. Seja aguaceiro ou chuviscos, temporal de verão ou chuva gelada, lá está ele. Instala-se sempre no mesmo lugar, protegido por uma marquise, em uma cadeira de praia, munido de uma sacola com as ferramentas necessárias e muita boa vontade. Perguntado, disse que trabalha ali há muitos anos e não faltam guarda-chuvas pra consertar. Quando quiseram saber o que faz quando não chove, ele disse que aceita qualquer coisa que apareça, como serviços de pedreiro ou jardinagem, mas que gosta mesmo é de consertar guarda-chuvas.
São louváveis as atividades que tratam de reformar objetos que iriam para o lixo. Cada peça recuperada traz alívio para o nosso bolso e, principalmente, para a natureza. Ainda assim, fiquei refletindo sobre a eficácia duvidosa deste trabalho, em tempos de guarda-chuvas baratos vendidos por homens que parecem brotar no asfalto quando chove. Por que mandar consertar se comprar novo é tão acessível? E por que não se instalar antecipadamente e já ir reformando os ditos para que os donos não sejam pegos de surpresa?
“A gente só lembra do guarda-chuva quando troveja”, dizia meu pai. Usava esta metáfora sempre que queria nos mostrar que algum problema ou dor de cabeça teria sido facilmente evitado com um mínimo de prevenção. Certamente o homem que conserta guarda-chuvas, conhecedor de seu ofício, sabe que ninguém se lembra de mandar reformar o que não está precisando no momento. Já com chuva, as sombrinhas com a vareta quebrada ou automático emperrado aparecem. Basta uma paradinha rápida e pouco dinheiro para sair tranquilamente sem se molhar.
A vida me fez ver o quanto meu pai tinha razão. Por mais que tentemos nos organizar, só lembramos de fazer cópia das chaves quando ficamos na rua, de lavar e passar aquela roupa de festa quando aparece um evento imprevisto e não há mais tempo, que deveríamos ter guardado algum dinheiro quando nos vemos sem nenhum, que falhamos a revisão no dentista quando sentimos dor e por aí vai. Quase que diariamente somos pegos de “surpresa”, por pequenos problemas do dia a dia dos quais teríamos nos poupado facilmente. E nem dá pra dizer que aprendemos com nossos erros, que, quase que invariavelmente, logo depois são repetidos e acaba que estamos sempre encrencados.
O meu pai, que era um sábio, compreendia isto. O homem que conserta guarda-chuvas e aqueles que aparecem do nada para vendê-los assim que aparecem as primeiras nuvens negras, também.