Crônica Paulista

A vida é como um rio: preto ou vermelho, claro ou escuro, mas sempre nos conduzindo a algum lugar.

Peço desculpas ao nobre e simpático cavalheiro companheiro de viagem, que dividiu seu tempo comigo além de suas barrinhas de cereais sabor morango. Não sei se aflito por viajar ou se deveras triste por deixar uma bela moça no embarque, sua insatisfação era aparente. Por isso querendo ser agradável, resolvi contar-lhe uma história. Devo ter exagerado um pouquinho...

“Dona Magda, uma senhorinha muito aprazível de presença e um monte de doçura, felizmente fez parte de minha infância. Ela, que se dizia descendente de índios (filha de Jaci e neta de Tupã), sempre tinha quitutes feitos de milho ou mandioca para nos servir em sua casa. Eu passava as férias escolares por ali – dona Magda era vizinha da minha avó – e sentia-me num porto seguro, numa ilha bela no meio daquele matão.

O marido da ditosa senhora é o sr. Assis, uma pessoa mais séria, porém de igual serenidade. O casal tem três filhos, nessa ordem: Marília, Olímpia e Adolfo.

Tive pouco contato com Marília. Ela deve ter quase uns quinze anos a mais que Olímpia. Se graduou pedagoga e hoje está aposentada. Depois que seu marido, o General Salgado, entrou para reserva, os dois escolheram o mundo como casa e pouco aparecem naquele sertãozinho. Talvez estejam certos, um novo horizonte de se ver o mundo e enxergar a vida. Notícias dão conta de peregrinação na Palestina, banhos nas ondas verdes do Caribe e caminhadas em Machu Picchu, uma fonte inesgotável de energia, bebedouro de saúde.

Olímpia foi minha paixão de menino e a quem eu devotei meu primeiro beijo. Chegamos a fazer um daqueles pactos de criança, para sempre ficarmos juntos. Como apanhamos que a vida não é só paixão pueril, seguimos nossos caminhos. Hoje continuamos grandes amigos e, em alegre conversa telefônica semana passada, combinamos fazer uma nova aliança. Ela estuda Astronomia na UFRJ, desfila todo ano na Viradouro e namora um taxista chamado Jales.

Nossa infância era regada de futebol, bola de gude, pique esconde, sinuca na venda do Seu Elisário (excelente bauru), nadar na piscina do sítio Paraíso e subir aquele monte alto, que eu não me recordo o nome, mas que tem uma bela vista lá de cima. Vida tão feliz que encho meu coração de ânimo só em recordar. Ah, não posso deixar de citar as idas ao ribeirão. Um ribeirão bonito, preto, escuro mesmo, por conta das sombras do vale.

A vida é feita também de problemas, quem não os tem? Acontece, faz parte. Mas em escala de grandeza, escolheria o Adolfo como o desafortunado da vez, pobre garoto! Tirou o sono de dona Magda e a vontade de pescar do sr. Assis por um bom tempo. Sofreu por amor, horrível sofrimento.

Meu amigo namorou Rubineia por uns dois anos. Depois a moça ganhou uma bolsa de estudos na Europa e o que era paixão virou distância. Dolfinho parecia até bem, confortando sua existência sem sua garota. Entretanto, essa calmaria passou e tudo mudou quando ele conheceu Lucélia, a miss Alface Americana do ano retrasado. Os cabelos louríssimos e os olhos cor de mel da jovenzinha arrebataram o rapaz. Ele entregou seu coração à amada, e junto com ele também foram flores, uma serenata, um colar de ouro envelhecido, um smartphone, um broche cravejado em formato de borboleta, um relógio caro e parte de sua saúde. Lucélia não tinha olhos para ele e com ele nada queria, coitado. A paixão da miss era o animador de rodeios Gabriel Pardo, o Pardinho. Ela babava pelo errante e corria atrás dele como dedo mindinho corre atrás de quina de móvel.

Pardinho até gostava de Lucélia, tanto quanto gostava de Aspásia, de Amparo e de duas Iaras (uma atriz, outra babá). E pelo que eu sei, os seis ainda participam dessa quadrilha de Drummond.

Olímpia não conseguiu aguentar ver o irmão com essa dor e, sob conselho do dr. Paulo de Faria, chamou o rapaz para passar uma temporada com ela em sua casa. Lá ele aprendeu a surfar, comprou uma bicicleta e resolveu estudar os mistérios da gastronomia. Pedalando pelo posto seis, perto do quiosque do Mendonça, (re)conheceu Lorena, amor de menina, veterinária recém-formada. Foi amor a segunda vista (os dois já tinham se esbarrado uma vez na fila da bilheteria do metrô). E como já estamos chegando no fim, resumindo a história, só dá tempo de dizer que estou indo para o casamento deles, ansioso para revê-los todos, incluindo dona Magda e seu bolo de mandioca.”

Super Bacana
Enviado por Super Bacana em 28/11/2013
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