UM FORTE (homenagem ao professor e ao livro "Sertões", de Euclides da Cunha)

Sou professora. Há muito sentia falta de um tempo para ler mais. Bem, surgiu a oportunidade, e o que relato agora é o entendimento que ficou da leitura. Entre tantos livros vistos na estante, escolhi Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Desde as primeiras páginas, o preciosismo do autor, que fez do objeto da sua obra, a caatinga sertaneja, laboratório para a construção de uma história fidedigna, impressiona. Cunha demarca a região de Vaza-Barris, descrevendo a sua flora, formação geológica e clima. Estuda-lhe a hidrografia. Fala das influências sofridas pelo clima e expõe uma nova teoria para explicar as secas. Explora maneiras de combater os desertos com açudes, fala de dias quentes e noites frias, de árvores cheias de espinhos e de caminhos endurecidos pelo calor extenuante.

Não demorou para que minha mente fosse “cortada por rios” de analogias, nascidos das mesmas vertentes do pensamento do escritor. Afinal, tenho raiz na mesma terra e vivo sob o mesmo sol. Fui levada a analisar a similitude da estrada, moldada pelos pés do sertanejo. Sou professora. E já encontrei pelo caminho do magistério a mesma vegetação, o mesmo clima e o mesmo chão da caatinga sertaneja (“A terra” se fazendo palco e a nós personagens de uma mesma história).

Segui pelos capítulos. Folha a folha até conhecer o “agente geológico notável”, “O homem” que sofre a desvantagem desse clima e reage brutalmente contra a “terra madrasta” que não lhe sacia a sede, desertificando-a ainda mais. Sou professora. E regressei muitas vezes para casa “desertificada” pela impotência diante de depoimentos que ouvi, olhares que percebi, diferentes formas de violência que observei e senti.

Nas páginas seguintes, encontrei a variação étnica de nossa formação, explicando por intermédio da heterogeneidade racial as supostas causas da divergência de pensamentos e atitudes entre nós. Por natureza, somos únicos e duais, paradoxais, portanto. Mas eu já sabia disso! Sou professora. Faz muito tempo que trabalho com salas cheias de pessoas diferentes, de inteligências e habilidades particulares, seres únicos e plurais.

Avancei na leitura, cheguei até “A luta” dos bravos sertanejos diante da adversidade, acostumados com a dureza da vida que sempre tiveram. Desorganizados e perdidos nas crenças de um mundo mágico (que amenizava a dor e dava esperança), morreram degolados sem saber direito por que estavam lutando. Eles não entendiam as reformas republicanas: casamento civil, cobrança de impostos, criação de um estado laico. Mas eu já havia visto isso. Sou professora. E já fui esmagada pela vitória de uma sucessão de governos, que, com decretos e novas leis, “cortam nossas gargantas”, silenciando quem realmente pensa, quem realmente trabalha no “laboratório”, em que surgem e estão as grandes questões educacionais.

O desenlace desse enredo fascinante é a lição de quem resiste até o fim. De quem tem sede e cava poços, causando devastação, às vezes, mas não raro encontrando novas fontes de água. Esse poder de mudar a realidade está nas mãos de todo aquele que, além de ser professor, como eu, se parece com o sertanejo que luta e com a terra que resiste, que é, antes de tudo, um forte.