Vidraças embaçadas
Vejo reflexos na janela. Noite. Venta frio. Os vidros estão embaçados pela nossa respiração. Tudo fica estranho à noite, quando a visão perde o domínio pleno. Sinto teu calor sob as cobertas e tiro os braços para fora. Esse vento à espreita. Que me leve!
Entro no redemoinho. As coisas presas nele brincam de ciranda. Sinto frio, afastada de ti. Entro na roda e brinco também. Meus cabelos voam em tranças desfeitas junto com as folhas caídas, as guimbas de cigarro da vizinha e as penas dos ninhos dos tico-ticos. Nessa dança que a tudo desbarata, é incrível o que escuto: o tique-taque do relógio da sala. O tempo que jamais me abandona (mas se abandona em mim).
Desço os degraus helicoidais do redemoinho. Observo enquanto ele se afasta para espreitar outras janelas. No caminho, vai levando novas coisas, deixadas por descuido ou jogadas de propósito. Expelindo outras, que quiseram descer comigo.
Percebo que a dança não vai parar. Apenas mudar as suas personagens, os seus elementos de cena. Paro em frente à janela. Ela me subtrai para dentro. Para a cama. Teu corpo continua quente. Tranço minhas pernas e braços em torno de ti. O som do relógio continua nos meus ouvidos, e a tua respiração também.
Não descubro mais os braços. Nada mais desejo depois de entender que aqui é o meu lugar (o melhor que existe para mim). Quero que a noite vire os seus dias. Que o redemoinho continue a sua dança. Que os reflexos continuem indecifráveis.
Nada mais importa além das nossas vidraças embaçadas.