O DAIBO VEM AI
A copa do mundo de 1966 corria na Inglaterra, para nós era permitida somente pelas ondas curtas de um rádio a pilhas, sim um rádio, não era um radiozinho, seis pilhas médias, não havia luz elétrica, nem água encanada. Moramos oito meses num sitiozinho, que aos poucos foi se desfigurando, quando o papai apareceu com o Chico e no mesmo dia declaramos que ele não seria abatido, somente serviria para comer os restos de cascas e milho e as galinhas somente para produzirem ovos, pronto o sitiozinho começou a dar prejuízo. Por conta da copa um pedaço plano e bem significativo virou um campinho de futebol e o sitiozinho ficou pequeno já não valendo a pena tanto sacrifício. Na mesma travessa morava o seu Bolão, um brigadiano de aproximadamente 30 anos, ele a mulher, o Silvio, enteado de 10 anos, a Verinha de cinco anos e o Rogério de quatro anos. O seu Bolão estava em dispensa médica quase permanentemente, não lembro a doença, então ele passava os dias costurando bolas. O salário pequeno e o gasto com o remédios imprimia-lhes uma vida difícil. Meu primo recebera de presente de seu pai uma fábrica de bolachas, que mal administrada acabou quebrando, então herdamos por meses sacos e sacos de bolacha, as favoritas eram as conhecidas como champanhe, entretanto as mais comuns nos chamávamos de bolachas da guerra, uma delas e um café rendia uma refeição, eram do tamanho de meia carteira de cigarro. Nós nunca tínhamos visto a fome de tão perto até que Verinha, Rogério e a cachorra Diana passaram a frequentar o nosso sitiozinho, parecia um quartel, na hora das refeições, mesmo sem tocar a corneta lá apareciam os três, para avançar o rancho. Nos horários de café o alimento predominante era as bolachas da guerra. Cada um recebia duas e a Verinha era encarregada de levar quatro ou cinco, pois Silvio nunca foi até a nossa casa, depois ficamos sabendo que o seu Bolão já o recebera pronto e então entendi porque ele o maltratava tanto e ele sempre era o culpado de tudo que o Rogério fazia de errado. Um dia Verinha chegou mais cedo e estava comendo uma bolacha, quando Rogério entrou pelo pátio e da janela da cozinha ela o avistou e disse que o "Daibo" vinha chegando. O Daibo, isto mesmo bem assim que ela disse e correu para de baixo da minha cama, que ficava num quartinho ao lado da cozinha, enquanto corria ela conseguiu socar o bolachão todo na boca, na passagem alcançamos uma bolacha ao Daibo, mas não adiantou, ele deu um soco nas costas dela e arrancou o pedaço de bolacha e começou a mastigá-la, mesmo tendo uma já nas mãos. Um dia eles todos sumiram inclusive o Daibo e a fome, ficou para trás a casa e a cachorra Diana, que não tardou para ser acolhida pelo cabo Santos, o vizinho do sítio da frente. Seu Bolão tinha voltado para a terra natal, cidade de Rolante. Pouco tempo depois desistimos do sítio. Ficou a lição que por trás de um daibinho sempre tem um adulto.