"PRÊMIO JUÍZA PATRÍCIA ACIOLI", DIREITOS HUMANOS. HOMENAGEM.
PATRICIA ACIOLI DEU SEUS PRIMEIROS PASSOS NA JUSTIÇA AO MEU LADO, TIVE ESSA HONRA POR AMIZADE DE NOSSAS FAMÍLIAS, GALGOU POR SEU VALOR O LUGAR QUE LHE ERA DESTINADO, E MUITO MAIS NA PÁGINA HISTÓRICA QUE ESCREVEU COM SEU SANGUE EM PROL DOS DIREITOS HUMANOS.
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Todos os direitos são humanos, e a lei, o direito, que é o interesse econômico ou moral do ser humano, se cumpre pela paz jurídica na aceitação das regras, ou pelas decisões judiciais quando incidente conflito de interesses. Assim, há equívocos de muitos quando acham que a lei é força, se cumpre pela arma, pelo poder armado; não é assim, embora o direito se conquiste em luta, mas luta de civilidade. Ouvi de um grande mestre, meu pai, a afirmação de quem acha que o direito não é força, no estrito termo e significação do vocábulo, é um visionário. Se avaliarmos lisamente o antigo Império Romano e o atual Império dos EUA, veremos que há conteúdo na afirmação.
Quando a lei se cumpre pelo poder armado há ilegitimidade, crime, ruptura e sublevação, desrespeito à lei. A legitimidade do cumprimento da lei tem origem nas decisões judiciais quando incidente conflito de interesses, ameaça ou violação de direitos que retornam ao estado anterior de harmonia, de higidez, em razão de decisões judiciais, aí sim, se resistidas, são implementadas pela força legítima, por isso a Deusa Temis leva nas mãos a espada, para fazer valer a justiça que aplica a lei. Foi esse princípio que levou a ilustre e desaparecida homenageada pelo prêmio "PATRICIA ACIOLI” a pretender fazer valer a lei para quem, ao invés de resguardá-la, por obrigação oficial, a violava de forma institucionalizada, concretizando de forma máxima a desconformidade com a lei. Por essa razão afastaram de seus caminhos sua incansável defensora, a Juíza Patrícia Acioli, mártir do idealismo.
Só há uma forma de se fazer cumprir a lei, respeitando-a e seus corolários originados das sentenças judiciais. Qualquer desvio desse âmbito desemboca em ausência de legitimação. Direitos humanos se fortalecem quando reconhecidos nas decisões pelos órgãos competentes, não quando recusados ou latentes na estática legislativa sem movimentação.
Sendo todos os direitos humanos, seria possível, sempre, tratá-los como nascessem de uma única raiz. É uma verdade que converge na divergência. Existem Cartas Políticas, Constituições, que são raízes, que fazem a partilha de tratar temas obedecidas as raízes, as cartas políticas. São avanços, novas formas de gerir os destinos humanos. Embora em 1948, ONU, os direitos humanos se consignassem em parâmetro universal, seus mandamentos são de difícil exigibilidade. A soberania dos povos barra de certa forma a exequibilidade plena desse tratado sob âmbito internacional. Em porções determinadas de soberania muitas vezes é sonegado o cumprimento desses direitos, principalmente nos núcleos desassistidos e tangenciados pela miserabilidade, onde a lei é ignorada.
O Código de Hamurabi, primeiro código formal do mundo, lavrado em pedra negra de diorito, visível no Louvre em Paris, também considerava direitos humanos, e abrigava o talião, pena proporcional ao agravo. Era lei exclusiva, sem desdobramentos. Lei sem mitigação ou reconhecimento da humanização.
Isso não mais pode ocorrer sem que seja chamado cientificamente de “loucura”. Foi o enfrentamento dessa “loucura”, exercício arbitrário das próprias razões de quem nenhuma razão tinha, pois enfrentava e violava a lei no mais sagrado dever de preservá-la, pois encerrava a tutela da vida, que a coragem e empenho da Juíza Patricia Acioli pagou com a vida, por querer preservar os direitos humanos, a vida dos mais fracos, dos desassistidos da sorte pelo destino, ausentes do abrigo das leis, dos privilégios, e por isso tratados com a ilegitimidade da força que ceifava vidas.
Tudo na humanidade mudou, sistemas políticos, implementações por seus ideólogos, doutrinas punitivas e toda a legislação que rege convívios. Mudou e sempre mudará. São mutantes como os costumes as leis, mas elas incorporam sempre o bem mais relevante, a vida, como princípio basilar para que todos os outros direitos humanos, corolários da vida, sejam exercidos. Não existem direitos humanos quando não há vida. Não há efeitos sem causa. Todos os direitos humanos são acessórios da vida, desdobramentos dessa exclusiva origem.
É nessa alheta, vida com causa eficiente, ponto de iniciação da causalidade de todos os outros direitos, que há o desvio do maior ensinamento de todos os tempos, a cátedra cristã. Por ela o respeito ao próximo e seus direitos fundamentais presididos pela dignidade humana deviam ser observados como plasmados se encontram nas regras com coerção, elemento fundamental da obrigatoriedade da lei. E esse respeito basilar começa pelo respeito à vida.
Jesus de Nazaré, o Cristo, Deus feito homem, pregou a igualdade pela caridade e nessa ordem de solidariedade se inscrevem os direitos naturais, humanos. Nesse ensinamento não havia identidade natural, mas doação, boa-vontade.
Ninguém é igual por natureza e assim demonstram o traço de escrita, a digital e o genoma a nós chegados pelo milagre da criação, mal explicado pela ciência, sem ter monopólio da verdade e compreensão e extensão de sua verdade, mas admitido pela fé dos que creem na origem divina, enlaçado na liberdade constitucional na possibilidade da crença, enfim no direito natural imanente a todos. O direito natural é o fluxo de todos os direitos humanos, tendo como suporte basilar a vida, justamente a vida dos necessitados de mais proteção pela ordem institucional, postos sempre à margem da segurança mais comezinha devida a todos.
Na veiculação da retórica dialética, ouvidas várias correntes históricas, aflora ausente a caridade que segrega a liberdade, por exemplo no traço de doutrinas restritivas de liberdade identificado em princípios políticos forjados no interesse pelo poder através da dominação visando objetivos não alcançados, o bem comum e a harmonia social. Não há maior direito do que a liberdade, nem mesmo a vida, pois vida sem liberdade não é vida. O comunismo cerceou esse primeiro direito, necessário, para que todos os outros possam obter exercício.
A caridade que busca a dignidade humana, cristã, direito natural fundamental, reside nos princípios básicos que afastam o sofrimento da fome e das necessidades vitais, e por fim preservam a vida. É diversa da igualdade que suprime a liberdade. A vivência terrena do Homem-Deus, Cristo, já tinha precedentes padrinhos espirituais como Confúcio e Buda, nessa ordem temporal, ensinando esses valores.
Igualdade pessoal é, portanto, diante da natureza, impossível.
Prega a doutrina cristã a liberdade de um modo geral através da fraternidade pela caridade.
O comunismo, como indica a palavra, é sistema ideológico que reorganiza a sociedade com a supressão da propriedade privada que passa a ser comum.
Socializam-se os meios de produção e de troca. Como doutrina tem sua origem na antiguidade na "República" de Platão.
Nos "Atos dos Apóstolos", para os primeiros cristãos, ninguém olhava o que lhe pertencia como se seu fosse. Gozavam de tudo em comum. Era a observação do direito humano natural de cada um.
O cristianismo primitivo definia-se como uma sociedade de necessitados, um esforço enorme e heroico contra o egoísmo, sustentada a tese que cada um só tem direito ao que lhe é necessário.
O comunismo teve seus rudimentos inspirados em alguns doutores da igreja primitiva, abandonada mais tarde a ideia da tradição evangélica de condenar a propriedade privada, não sem antes, com São Crisóstomo, vociferar: "o rico é um bandido"; e São Basílio "o rico é um ladrão". Santo Ambrósio esculpiu a trajetória doutrinária da época, pode-se dizer, motivação da recente teoria da libertação, nessa síntese: "A natureza estabeleceu a comunidade ; a usurpação a propriedade privada".
Houve o que seria um comunismo das antigas comunidades cristãs (eccclesias). Era comunismo de fundo religioso e místico entre os professos da nova crença com princípio na ajuda mútua, não era uma libertação política com sustentação no Estado, muito menos em Estado que intimida a liberdade, pois a retira ao invés de libertar. Uma aspiração ideológica em princípio respeitável, mas frustrando o maior valor humano, a liberdade.
Desde a antiguidade até a segunda metade do século XIX não era o comunismo um sistema sem divergências, teoricamente, uniforme e harmonioso. Uns queriam afastada qualquer propriedade, outros somente a propriedade agrária. Coube a Marx imprimir conceito doutrinário ao comunismo, avançando para abrigar muitas consciências, intelectualizadas ou não, pela extremada via da revolução pela força, com a supressão das liberdades individuais.
Aí residiu o impasse de querer salvar aprisionando, libertar restringindo, de pretender o bem comum retirando o maior bem do ser humano, a liberdade.
O nó que um dia desataria a escravidão da vontade pela supremacia do Estado diante do homem está e estava justamente na retirada de seu maior bem, a liberdade. Essa liberdade continua sufocada pela opressão de ressalvar aos mais fracos em sua dignidade, no exercício de seus direitos, ao menos o devido processo legal quando imputados de cometimento de condutas contrárias à lei. Uma falsa resistência, caricata verdade, legitimaria a violação de suas vidas, gesto reiterado que encontrou na Juíza Patrícia Acioli uma barreira de censura vigorosa e atuante na prevalência dos direitos humanos. E dessas vidas suprimidas, se não fossem abatidas, resultava a liberdade com toda a gama de direitos subsequentes.
Norberto Bobbio, de notável lembrança, embora combatido pela democracia-cristã, é a ponte que ligaria de certa forma a meta do reconhecimento da dignidade humana nascida da oralidade do Cristo à materialidade do pensamento das doutrinas humanas restritivas, todas, que até hoje não compreenderam ser somente pelo alcance do reconhecimento dessa dignidade humana pelos Estados que se chegará ao bem comum e ao respeito dos direitos humanos em gênero. Se de um lado restringiu-se a liberdade até do ir e vir, na retirada das liberdades individuais, as ditas teorias do liberalismo restringiram de outras formas o livre acesso à vida na guerra por proteínas cuja ausência leva à morte de incontáveis infâncias. A partilha das riquezas contamina a divisão necessária que aplaca primeiras necessidades, os indispensáveis direitos humanos.
É Bobbio - valha dizer para iluminar a trajetória de quem iluminou o direito, Patrícia Acioli - a luz que ilumina as trevas como uma pequenina chama que surge brilhando e desponta na escuridão de uma grande sala, harmonizando princípios.
O filósofo Bobbio tem o mérito de tentar nivelar camadas distintas, extraindo afinidades do confronto doutrinário entre o antagonismo da liberdade que respeita direitos individuais com a restrição absoluta dos mesmos, pregando o encontro que realiza direitos individuais comuns naturais, e os respeita maximamente.
É de Turim, Itália, Norberto Bobbio, o Principe da Filosofia do Direito que elevou o pensamento político, marcando o século XX. No dia 18 de outubro de 1909, nasceu o filho de uma família burguesa do norte da Itália. Norberto Bobbio viveu o século XX por inteiro, quase todo, vindo a falecer na mesma cidade de seu nascimento aos 94 anos, em 9 de janeiro de 2004.
No final de sua vida, o jubilado pensador político italiano, expoente da cultura ocidental e mais famoso do mundo contemporâneo, bem ao contrário de Nicolau Maquiavel, seu conterrâneo que viveu no Renascimento, erigiu-se ao topo da defesa dos direitos individuais e da dignidade humana, como um dos seus mais expressivos ativistas e não como apologista dos poderes do estado. Bobbio, emérito professor de Direito e Política em Turim, filósofo da democracia, foi inigualável e insuperável como defensor dos direitos humanos com mais de duzentas obras escritas.
"Cultura é equilíbrio intelectual, reflexão crítica, senso de discernimento, aborrecimento frente a qualquer simplificação, a qualquer maniqueísmo, a qualquer parcialidade". N. Bobbio em carta a G.Einaudi em julho de 1968, quando do “Rissorgimento”, movimento político acirrado e conflituoso à época na Itália, entremeado em lutas. Surgiu assim um novo partido, o liberal-socialista, congregando um grupo de intelectuais preocupados em recuperar a liberdade italiana e a unidade da nação.
Entre eles estava Norberto Bobbio, então um conhecido professor de filosofia política de 34 anos. Estavam em território ainda sob controle fascista, e a maioria deles foi presa, sendo que Bobbio, encarcerado na Scali di Verona, só foi libertado três meses depois, em fevereiro de 1944. Há sempre um fascismo a espreitar direitos humanos no propósito de solapá-los. As surpresas que cassam direitos estão nas esquinas sombrias dos falsos messias.
Era estranha a agremiação, pois se dizia liberal-socialista, uma composição somente possível na Itália. Mas foi com essa notável linha de pensamento, liberal-socialista, que Norberto Bobbio se projetou internacionalmente como um nome ligado à teoria política.
Desintegrado seu partido, esvaziado na guerra fria, tendo o país se dividido entre democracia-cristã e comunistas, Bobbio dedicou-se ao jornalismo através do jornal “Giustizia e Libertà”, mais tarde em “La Stampa”. Como livre pensador e articulista no primeiro jornal referido cresceu e se tornou famoso apanhando das duas correntes políticas.
No século XX, na Itália, três famosos homens de letras fomentavam os debates ao redor dos quais se deram enfrentamentos ideológicos e culturais.
Um deles era o filósofo Giovanni Gentile (1875-1944) que seguiu o fascismo até o fim; outro o festejado crítico e historiador Benedetto Croce (1866-1952), senador vitalício e ícone do liberalismo italiano e, fechando esse triunvirato, o marxista Antônio Gramsci (1891-1937), líder do partido comunista, falecido no cárcere, local onde produziu seus conhecidos “Cadernos” no ressentimento do ergástulo.
Bobbio ao colocar-se ao lado da resistência antifascista, rejeitando Gentile, de certo modo tentou realizar a síntese entre os outros dois, Croce e Gramsci.
Pretendeu colocar na mesma via a tradição liberal da defesa dos direitos de liberdade, de palavra, de imprensa, enfim direitos humanos, juntamente aos objetivos marxistas de proteção ao trabalho, direitos previdenciários, organização sindical e outros. Um trabalho de gênio, mas áspero.
Entregou-se à ingrata tarefa de conciliar a liberdade com a igualdade, ao meu credo só possível sob a integralidade e pura doutrina do Cristo, com toda a ficção que possa surgir desse ideário, e ao que se vê diante da natureza humana, inconciliável.
Fino intelectual, raríssimo, foram seus interlocutores Hobbes, Locke, Beccaria, Kant, Hegel, Marx, Weber e Kelsen, luminares das letras que recriou em novidade, extraindo-lhes afinidades para defesa de sua permanente tese de constatação de ser a plena democracia o melhor sistema político a ser alcançado. E seria nela, nessa utopia encerrada nas letras de um global vocábulo, democracia, praticamente ficcional, que residiria a amplitude dos direitos humanos.
Discutia e expunha os clássicos no dia a dia como um messias político. Durante muito tempo a opinião de Bobbio fez parte do cotidiano de milhares de cidadãos italianos, que o liam e o discutiam indo ao trabalho, à escola, nos metrôs, ônibus, cafés e bares.
Saber o que considerava Bobbio era fundamental para dissecar últimos acontecimentos de cidadania relevante, que levavam a apaixonadas polêmicas. Isso o convertia em verdadeiro tribuno republicano que lembrava os gigantes senadores do Império Romano, de ventilada inteligência.
Embora não tenha tido muito sucesso, restou a vontade hercúlea de compatibilizar valores diversos, por vezes impulsionados em passionalidades como são os temas políticos. Nessa empreitada aproximou linhas que não se encontrariam nem no infinito, paralelos que são seus objetivos sob orientação política contrafeita. Era um paladino dos direitos humanos em latitude e longitude, assim festejado até hoje.
Benedetto Croce era filósofo italiano nascido em 25-2-1866, Pescasseroli, Aquila, falecido em 20-11-1952, Nápoles. Croce, considerado uma personalidade intelectual de projeção universal, não se interessou apenas pela filosofia, mas também pela história, inclusive história da arte onde “Breviário de Estética” é sua obra mais conhecida.
Literatura, Economia e Política sofreram larga influência de sua intervenção. Seus pontos de vista foram difundidos em “La Critica” (1903-1944), influente revista fundada por ele mesmo.
O confronto com o materialismo histórico e a filosofia de Hegel fez com que elaborasse seu próprio conceito filosófico, o Idealismo Dialético. Era uma ótica de bom presságio histórico para a humanidade. Tinha fundamento na evolução dialética progressista voltada para a liberdade. A “Filosofia Dello Spirito” (1902-1917) é uma das suas mais conhecidas obras. Elaborou em 1925 um manifesto contra o fascismo. Em 1943 refundou o Partido Liberal, que presidiu até 1947. Nesse mesmo ano, fundou o Instituto Italiano de Estudos Históricos.
Chega-se ao comentado e criticado Gramsci que pregou a revolução “mancata”. O famoso “comer por dentro” sem uso da força.
Quem foi Gramsci tão reverenciado e cultuado, mas pouco entendido?
Sem sentir, talvez, já que estava de uma certa forma, também, ao lado das liberdades públicas, era um Bobbio marxista.
Quem não indica a força como meio político de assunção do poder, mas a representação democrática, através da “judicialização de meios sociabilizantes”, contrariamente ao ensinamento de Marx, não pode ser inserido no rol dos sectários do pensamento que violentam as necessidades humanas de liberdade.
Gramsci desenvolve em sua obra a naturalidade do direito como fator espontâneo da vida social. Faz assim uma ligação de sua naturalidade como origem de toda a relação social.
Coloca-se virtualmente contrário à tradição dos intelectuais europeus de rejeitarem dar dimensão de expressividade à cultura material.
O conformismo seria inclinação no mundo contemporâneo, amplo e mais forte que em tempos passados. O fundamento dessa ideia estaria nas conceituações das fábricas gigantes para a época.
Gramsci sinalizou um mecanismo de enfrentamento de caráter conservador patrocinado por antigos líderes da intelectualidade que listavam os padrões de moralidade e ética. Seria um entrave ao avanço de um vanguardismo necessário sustentado na naturalidade e purismo da formação do direito.
Esse procedimento, conservador, se instaura e se instala de forma a barrar alternativas empíricas, resultando em ameaça singular ao novo grau de civilização e cultura.
Para o surgimento de convívio social diverso, mais realizador dos direitos, uma nova era, associada ao reconhecimento do trabalho dignamente remunerado e à educação favorecida pelo Estado, com pilares no utilitarismo, impunha-se a recepção dessa lavagem de conceitos superados onde irrealizada restou a desejada formação do homem e o respeito aos seus direitos. Seriam novas portas dimensionadas para abrigarem meios e modos da realização dos direitos, com alternadas possibilidades de autodisciplina, regulação e salvaguarda máxima das liberdades individuais.
Nessa ótica, afastado está o salvacionismo e revoluções de ruptura. “Com o americanismo, a ênfase recai sobre o mundo do trabalho e, com isso, também recai sobre um ângulo internacionalista em detrimento do Estado-nação. Afinal, o fordismo, além de racional, tenderia à generalização, como estaria se fazendo presente, aliás, no caso italiano, em que o corporativismo da Carta Del Lavoro deveria ser entendido como a premissa para a introdução dos sistemas americanos mais avançados do modo de produção e trabalho”, como entende Luiz Werneck Vianna, e continua: “o homem-massa da sociedade moderna significaria, pois, um processo “espontâneo” – como tal, não utópico nem “cerebrino” – de criação da vida estatal e do direito, este último, na ótica de Gramsci, mais uma vez contra a corrente, destinado a cumprir importante papel de caráter educativo e criativo na mudança social”.
A “geração espontânea” do organismo do estado e da manifestação do direito a partir da demanda social, fato/norma, ou como diz o sociólogo Luiz Werneck “a ampliação” do Estado em multiplicadas recepções continuadas atendendo a demanda e satisfazendo embrionários movimentos sociais originários, “conforme a inversão do argumento hegeliano procedida por ele, até torná-lo evanescente”, acrescento eu, é remota e assim demonstram os sucessivos estágios políticos em todas as nações. Os direitos humanos demonstram essa afirmação. Estão ausentes de implemento desde a coerção impositiva que se ausenta quando necessária ou se desvia com agentes públicos negando e atingindo esses direitos até em escala internacional com a integral impossibilidade de fazer valer a lei diante da soberania territorial.
Direito é luta como deixou indelével o maior de todos os romanistas, Rudolf Von Ihering, mas isto não significa dizer que seja luta de força que remove instituições, mas de conquista pacificada na ordem democrática.
A revolução passiva de Gramsci tem esse valor, embora relativo e de difícil alcance, dando “partida a um processo constituinte permanente de regulação por baixo de uma nova vida estatal”, como refere o sociólogo citado.
Seria preciso crer em uma democratização contínua sem os traços dos desvios crônicos, ou seja, assim “a revolução passiva poderia encontrar seu andamento preservado” na crença do sociólogo.
Creio contrariamente por não crer na ação legalista do Estado face aos desvios assinalados. E os desvios são crônicos e reiterados, históricos.
Para tanto recorro à história. Se não é possível valer-se de métodos retrógrados, experimentados e superados, derrotados pela história, demolidos pelo halo da necessidade de liberdade individual, também não vejo portas abertas à solução pelo direito cogente diante da corrupção humana e à distância do necessário abraço das nações no reconhecimento da dignidade humana.
A Teoria do “Elitismo”, tão enfrentada e mal, não se circunscreve ao âmbito intelectual ou ao legado de berço e nome. A elite é política também, entendida aí a classe dominante do poder, seja ou não aculturada, tenha ou não berço.
A elite do mando em qualquer doutrina sonante por estar detendo o poder, umas melhores outras piores, não tem realizado os fins do Estado.
No Brasil, atualmente, não se pode dizer existirem condições “gramscinianas” em evolução, nem como implantação objetiva nem como pretensão subjetiva.
Nada se vê nesse sentido, nem mesmo uma certa politização da Policia Federal que, embora com ordem judicial, faz prisões cobertas pela imprensa embora prisões contestadas juridicamente pelos juristas e pela doutrina como inconstitucionais, não importando, por extremamente técnico e alongado explicitar, as causas da inconstitucionalidade.
Temos assim paralelos de direção comum nas linhas políticas exercidas, principalmente onde Croce e Gramsci atuaram, em total oposição, mas ponderadamente, possibilitando suas aproximações por Bobbio da verdadeira e única doutrina que poderia elevar o homem a sua máxima dignidade, liberdade com igualdade social, a de Jesus Cristo. Centrado no egoísmo o homem nega ao seu próximo o direito humano, antes natural e codificado após pela civilização. Trava-se assim a interminável luta pelo direito. São essas aproximações que sufragariam a realização inconteste dos direitos humanos, tão alardeados e bem pouco alcançados sob quaisquer prismas que se queira abordá-los.
O maior personagem dessa destinação, direitos humanos, o homem, criou o Estado para garante desses direitos, mas o criador vem desmerecendo a criatura, pois desfaz interminavelmente os direitos organizados pelo ente nascido para a nobre missão, garantir os direitos humanos. O interesse maior, a paz jurídica, carece permanentemente de proteção.
A essa se dirigia a razão missionária, porque corajosa, da Juíza, e por esta motivação tornada mártir.
Fazer justiça tem definição incomparável do Bispo de Hipona, Santo Agostinho : “Dar a cada um o que lhe é devido”. Essa era a ideologia da qual nunca se afastou a magistrada Patricia Acioli.
Sua visão de ser justa é a mesma equação pela qual se atingiu, conquistando, o curso das construções do pensamento, das liberdades públicas, se instalando o sistema representativo, sob vários caminhos político-ideológicos buscando-se atingir o que seria, é condicional o verbo, a democracia.
Sem justiça não há realização do direito e o direito existe para realizar-se. Sob esse aspecto caminhamos em processo lento das trevas para luz, mas a esperança pontifica, não deve ausentar-se das grandes celebrações do pensamento externadas pelos grandes mestres e pelos mártires que encetam a grande luta a que todos nos curvamos.
Fazer justiça pode parecer simples, bastaria distinguir o certo do errado, o que qualquer do povo tem aparelhamento para avaliar. Mas não é só isso que se requer para feitura, impõe-se a garra indispensável para o enfrentamento e sua realização, pois o “direito existe para realizar-se” como dizia o notável romanista Rudolf Von Ihering.
Se não é feita justiça pela casa de onde procede, JUSTIÇA FEITA PELA JUÍZA PATRÍCIA ACIOLI, pagando com a vida seu desassombro, fica carente a Casa de Temis, habitáculo da justiça, de respeito e mesmo de estar aberta, pois por suas portas necessariamente passará o desequilíbrio da relação para ser reequilibrada. Sempre esteve aberta e deve estar para acolher quem busca que se diga o direito e se dê a cada um “o que lhe é devido”, como deixava intransponível no inicio da era cristã Santo Agostinho, datam quase dois mil anos aproximados.
A didática sinaliza a advertência do Bispo de Hipona de que a cada um deve-se dar o que lhe é devido, e ao infrator, por distribuição de justiça, as penas da lei, como corajosamente posicionou-se a desaparecida magistrada àqueles que intimidavam os mais desprotegidos, ainda que possivelmente tenham contrariado a lei.
É tormentosa angústia para os homens de boa vontade essa equação que não fecha um resultado positivo.
Ninguém desconhece estar o egoísmo no centro dessa balança do bem e do mal que rege o arbítrio, a escolha do homem, e divide a humanidade, mas também os conscientes sabem da dificuldade de erigir caminhos para um salvacionismo ideológico sadio, que nasce da ética, da lei moral, defluindo dessa origem todas as doutrinas que visam o bem comum e os direitos humanos, com o objetivo de trazerem resultados.
O iluminismo traçado nas regras não resolveu a problemática projetada. O sentido da dominação sob várias formas permanece, não se aclara por definitivo uma solução uniforme e parece remota. Nos resta a tentativa de continuar lutando cada um com a suas armas legítimas para fazer valer os direitos humanos, o mais justo aliado ao mais belo.
Foi o que tentou fazer a ilustre magistrada e fez, e se tornou mais uma mártir do ideal que conheci de perto.
A opção pela liberdade de escolha continua a desenhar o bem e o mal, por onde caminhamos, sem muitas evidências da bondade estabilizada, como um todo, mas assentada, sem a virtualidade flagrante existente, sempre menos protagonizada a vontade da lei inscrita no papel de forma estacionária.
Será que alcançaremos um destino de luz? Creio que não quando percebo que fome e todas as misérias convivem com a ostentação e o luxo. Não há neutralidade total do sofrimento, nele se inserindo a ausência de dignidade tutelada pelos direitos humanos.
Há como que uma razão perdida, onde a retomada de abrirem-se caminhos melhores não acontecem. Impera a desrazão pela opção inclinada pelo interesse pessoal indiferente ao benefício de todos. Esta “razão perdida” incapacita a escolha pela perda de razão, sempre absoluta. Quero estar errado em minhas posições, mas penso que a história vem se repetindo com maior ou menor intensidade e alguns pouquíssimos avanços em prol do que se entende por melhor, ao menos, em parte, a erradicação da fome e do escravismo em suas várias modalidades, onde não se insere só a restrição de liberdade, antes e mais, a restrição da vontade legítima e digna, como a de trabalhar e se educar.
Para que se atinja medianamente a realização dos direitos humanos é preciso que os secundem a feitura de justiça, a realização dos direitos humanos.
Ser justo é reconhecer o direito natural inerente a todos; o ápice, ponto mais alto da dignidade. É desta justiça que devemos ter fome e sede. Mas não é só isto, o pregão do Cristo é ainda múltiplo e absorvente nesse sentido, com concentração dos dons que se esgotam no reconhecimento da dignidade do ser humano, momento em que o egoísmo cede ao milagre da benevolência, suavizando os duros de coração.
Em todo o texto bíblico está claro que justiça não é apenas uma questão pessoal, uma dívida entre os semelhantes no preito do que seja dar a cada um o que lhe é devido. A justiça tem para a sociedade um amplo sentido que nasce desde um único homem, até a composição estatal de cada nação e das nações hoje sintonizadas na globalidade em que vivemos. A Inteligência do Cristo destinou-se aos tempos independentemente das fases pelas quais vai passando a humanidade. A pluralidade de hoje é a singularidade de ontem, a dita globalização atual é a comunidade estreitada de poucos anos atrás pela ausência de comunicabilidade eficaz. Em um século a transformação foi surpreendente, mas a cátedra do Cristo se ajusta a toda essa gigantesca alteração não importando o tempo, pois é dos tempos.
É calcado e acreditado nessas palavras que os homens podem ao menos por esperança, almejar que as humilhações impostas cessem, as injustiças praticadas pelos opressores se esvaziem, as afrontas dos orgulhosos se enfraqueçam, a insolência dos poderosos se fragilizem, a lentidão dos juízes se torne célere, a crítica inescrupulosa que sofrem os sábios se neutralizem, as ingratidões dos amigos se apaguem.
Aí está o sufrágio, o reconhecimento da plena dignidade que se conforta na projeção da feitura de justiça e sufraga os direitos humanos.
Não é difícil ver nas cidades a injustiça passeando pelas calçadas, viva, tormentosa e gritante, pedindo clemência aos que podem exercer a comiseração, a piedade, e não o fazem. Ela está presente nos deserdados da sorte de todas as idades e faces, que súplices estendem as mãos e nos falam do Cristo. É o apelo da súplica dirigido à caridade, irmã da justiça, lembrando o martírio de Jesus pelo amor que se tornou desamor, nas lágrimas que não são vistas e no grito mudo sufocado pela miséria humana. As misérias humanas, manancial de todas as desigualdades que assolam o mundo nas mais tenebrosas e cruéis formas.
A Justiça que se inscreve na lei e nos profetas, refere-se à busca pela libertação do homem da opressão junto com sua promoção integral, ao menos basicamente, desde a justiça nos tribunais à integridade nos negócios públicos e privados até o respeito em família. Certamente não poderemos mudar o mundo, mas podemos influenciar em muito o lugar em que vivemos, disso não há o que se opor com razoabilidade ou lógica simplista, comezinha. Foi o que fez Patrícia Acioli. Somos ação e resultado de nosso círculo de atuação, basta existir. É impossível inexistirem reflexos de nossas atividades no meio em que vivemos e nos expandimos. Traços de nossa presença se afiguram em todos os campos de interação, emocional e material; isso se reduz à certeza formal.
Ter sede de justiça é participar de sua concretização pelas formas possíveis disponibilizadas, essa foi a pretensão do Cristo e a vontade de Patrícia; reformar o homem na procura pela manifestação concreta da justiça que se exterioriza e se realiza, deixando de ser ficção legislativa dos Estados, saindo da imobilidade do papel em projetos inertes e ficando exequível, solar, distante de dúvidas ou contradições no ambiente em que vivemos.
Ter sede de justiça é varrer a fome, ordenar a família em suas necessidades, amparar o ancião, proteger a infância, assistir ao doente, educar o deseducado e sociabilizar quem não pôde se educar, logo que não se reeduca, como pretende a pena estatal, quem nunca foi educado, MAS ACIMA DE TUDO PRESERVAR O PRIMEIRO DIREITO HUMANO, A VIDA. Foi o que fez a magistrada homenageada, lutando pela vida dos expostos, ainda que violadores da lei, sujeitos à sanha da execução oficial de quem representa o Estado.
O presente sempre angustiou os homens desde que há registros históricos, e sempre houve, dos que temiam o futuro, tanto quanto os que nele punham a esperança da espécie. Da mesma forma, não faltaram, e ainda não faltam, os que sonham com o retorno à improvável Idade do Ouro, que permanece arraigada na alma dos homens e encontra a sua versão mais radical dentro das fronteiras do paraíso bíblico.
Sofrer e sonhar, esperar e temer, lutar e resistir, são as condições que o ato de viver nos impõe. A vida não é projeto dos deuses, nem condenação cósmica. A vida é feita pelos homens, e só por eles. A história, com seus acertos e desatinos, não é bruxa, nem fada: ela é decidida em cada minuto pela vontade dos homens e pelos fatos que essa vontade determina.
O que torna mais pesada a angústia de nosso tempo é a magnitude dos problemas sociais. Os direitos humanos são atropelados.
Para entender a anemia política dos Estados de nosso tempo é necessário examinar o desengajamento da maioria dos intelectuais de hoje, sem esquecer que a própria inteligência se encontra em crise.
Patrícia Acioli não esmoreceu diante desse quadro de exaurimento das instituições. Tenha sua memória nosso respeito permanente.