Fera à solta
Eu ainda estava do lado de fora, mas mesmo assim já conseguia ouvir o animal. Por um momento me passou pela cabeça que ele poderia escapar, correr na direção do portão, alcançar a rua e vir na minha direção. Se eu tivesse esse azar, poderia comprovar se a sua mordida realmente alcança uma tonelada e meia de pressão – algo como encostar uma dentadura afiada no braço e empilhar vários sacos de cimento sobre ela.
Quando já estava dentro, o domador abriu a jaula. Em um instante, a fera estava solta. Paralisado, vi o animal se aproximar de mim. Cheirou a minha calça e brincou com o meu tênis. Bolas, nem parecia um pitbull. Corria pra lá e pra cá, satisfeito com a inesperada liberdade. Ao menor sinal do adestrador, se aquietava e obedecia. Descobri que era uma fêmea, mas sem dúvida sua docilidade não era questão de gênero. Sem as noções de socialização passadas pelo adestrador, eu estaria em maus lençóis.
Era justamente por isso que eu queria entrevistá-lo. Sabe como é, os jornais sempre noticiam ataques de pitbulls. Queria saber a opinião de um adestrador. E ele me dizia que, apesar dos seus instintos, da sua genética, o cão não se torna violento se tiver o acompanhamento certo. Tive que acreditar piamente que aquela pitbull havia tido o acompanhamento certo no momento em que ele precisou entrar em casa e me deixou sozinho com ela. A belezinha nem se mexeu.
Para o adestrador, o problema é quem cria o animal para deixar acorrentado. Ou os que compram um apenas pela imagem que passa. Estes não se preocupam com a sua educação. Perguntei se recomendaria o pitbull a uma família que desejasse comprar um cachorro. Disse que sim, desde que tivessem condições psicológicas e se preocupassem em educar adequadamente o cachorro. Foi quando lembrei-me dos filhos, os filhos que o ser humano tem, e que hoje são tidos e criados sem muita preocupação em se observar condições como essas. Não é de se admirar que, quando cresçam, saiam mordendo pessoas por aí.