Pequenas histórias 011
O telefone toca
O telefone toca sobressaltando-me. Quem será é a primeira coisa que pergunto mentalmente. Ninguém me liga, quem poderá ser? Talvez alguém pedindo doação para instituições cancerosas, aidéticas, ou banco vendendo o peixe que não quero comprar, ou jornal de noticias manjadas de políticos, assaltantes, assassinos que nunca são presos, oferecendo assinatura grátis, enfim, pensei uma pancada de coisas, mas nunca acerto quem possa ser. Esse maldito aparelho quase sempre traz desagradável noticias com sua campainha irritante. Como não tenho outro jeito, interrompo o barulho ensurdecedor.
- Sim!
- Quem fala?
- Osvaldo.
- Seu Osvaldo, aqui quem fala é o médico.
- Sim!
- O senhor poderia passar aqui no consultório pegar as guias para o check-up anual?
- Sim senhor.
- Obrigado.
- De nada.
Desliguei o telefone pensativo. Que merda? Fazer exames anuais é o saco. Fazer o que não é? Prevenção é prevenção e é sempre bom prevenir, é o que me dizem. Mesmo assim deixo passar vários dias, talvez uns quinze dias para pegar as guias.
- Bom dia, Doutor. – cumprimentei ao entrar no consultório.
- Bom dia, por favor, sente-se. Tudo bem com o senhor.
- Acho que sim, Doutor. Tirando a dor na perna por causa da coluna e essa barriga que não consigo diminuir acho que está tudo bem.
- Então é sempre bom fazer um check-up, não é?
- Se é o Senhor que diz o que posso fazer.
- Eu sei a maioria não gosta de fazer exame, mas prevenir é sempre bom.
- Tudo bem.
- Aqui estão as guias para os exames de sangue, fezes, urina, hemoglobina, próstata, esteira, é só apresentar as guias no laboratório com a carteira do convênio e um documento. Tudo bem?
- Tudo bem, Doutor. Tem uma data para entregar os exames?
- Não, pode até entregar no fim do ano, mas tem que fazer esse ano ainda.
- Ainda bem. Bom dia, Doutor.
- Passe bem, seu Osvaldo.
Sai do consultório com as guias pensando como faria os exames. Chegando a minha mesa, joguei as guias no fundo da gaveta esquecendo-se delas por mais uns quinze dias.
Passaram-se várias semanas. Nem pensava mais nas guias, quando numa segunda-feira ao abrir a gaveta, vejo os papéis lançando chispas em minha direção.
- Me pegue não me deixe mais aqui, pareciam me dizer.
Foi então que decidi. Vou terça-feira de manhã fazer os exames. Falei com a chefa que chegaria mais tarde, pois sairia de casa direto para o laboratório. Na terça de manhã enquanto esperávamos o fretado, comentei com a minha filha:
- Quer ver, hoje que posso entrar mais tarde no serviço, o fretado vai chegar antes das oito na Paulista.
Dito e feito. Não chegou demasiadamente cedo, mas com uns quinze minutos antes das oito eu estava descendo na calçada do Conjunto Nacional. Um segundo depois empurrava a porta de vidro do Delboni. Retirei a senha e sentei-me na única cadeira vaga. Olhei o placar para ver quantas vítimas já tinham sido atendidas: 510 vitimas. Olhei minha senha: 543 faltavam ainda 33 para serem atendidas. Idade de Cristo pensei.
Quando se espera o que se pode fazer? Nada, a não ser deixar os olhos divagarem pelo ambiente olhando aqui e ali, sem esquecer o pensamento que
voa imaginando coisas que não quer imaginar. Assim foi, quando despercebido vejo o numero da minha senha sendo aclamando no painel das vitimas. Fui até o clichê indicado.
- Bom dia.
- Bom dia.
- É preciso estar 72 horas sem ingerir bebida alcoólica.
- Ih, danou-se.
- Por quê?
- No almoço bebo um aperitivo.
- É, mas não pode.
- Tudo bem.
- Tem que ficar duas horas sem urinar e beber água.
- Bom já vi que não é hoje que será coletado...
- Este de esteira tem que ser feito em outro lugar e não aqui.
- Certo.
- Você vai até o fim do corredor e pede um frasco para coleta de fezes.
- Está bem.
Peguei o frasco para coleta de fezes e sai do Delboni rindo por dentro.
- O problema não é fazer os exames e, sim, ficar sem beber 72 horas e cagar nesse frasco pequeno. Se os piadistas de plantão souberem disso vão tirar um sarro. – pensei saindo do laboratório.
Nada souberam, mas depois que lerem essa pequena história acredito que alguém vai aproveitar a chance. Mas como diz o velho deitado: saiu na chuva é para se molhar.
E antes de terminar esse pequeno relato quero contar um fato inusitado que presenciei na estação Sé do metrô. Para mim de inusitado não tinha nada, já presenciara isso na Paulista, mas na estação Sé nunca.
Duas jovens meninas nos abraços e beijos em plena plataforma. Como dizer, sem ser preconceituoso, não sei, duas lésbicas, bem duas mulheres, não mulheres, eram jovens, abraçadas, pouco se importando com os olhares dos curiosos que se sentiam incomodados. Estavam as duas bem na minha frente. Fiquei pensando:
- Elas estão certas, ninguém tem nada com o gosto de cada um. Agora imagine se fossem dois homens abraçados, se beijando! Creio que haveria comentários maldosos, apupos, piadas indecentes, repudio, mas como eram duas mulheres bastavam só os olhares de espanto e curiosidade.
pastorelli