Durante os domingos
Entre as sugestões feitas por um cardiologista para diminuir o risco de enfarto, encontro uma recomendação severa para que, em hipótese alguma, se trabalhe durante os domingos. Eis aí um argumento científico que legitima uma prática iniciada, segundo o Gênesis, pelo próprio Deus: descansemos, pois, ao sétimo dia. De bom grado acolho a sugestão, coisa que, na verdade, não me custa muito. Mas não deixo de pensar que, para que eu possa ter um dia de descanso, muitas pessoas precisam trabalhar.
Logo cedo, saio para comprar pão e não tenho dificuldades para encontrar uma padaria com gente trabalhando desde as cinco da manhã. Também os supermercados estão cheio de pessoas que, para a minha comodidade, se dispõem a desrespeitar não apenas a orientação do cardiologista, mas o próprio mandamento divino. Se não fosse por pessoas como essas eu dificilmente comeria aos domingos, tão dependente estou da comida dos restaurantes. Caso eu deseje aproveitar o dia para ir ao cinema ou passear em um parque, terei que me deslocar até lá através do transporte coletivo – que funciona mal aos fins de semana, mas funciona. Ao chegar, encontrarei uma série de pessoas trabalhando exatamente para que eu tenha momentos de entretenimento e diversão durante o domingo. Não compro um sorvete sem depender do trabalho dominical. Mas o fato é que consigo me divertir e fico em paz com os preceitos médicos e religiosos.
Alguém objetará, com razão, que quem trabalha neste dia faz o seu domingo durante a semana. Ah, mas como deve ser triste esse domingo improvisado. Porque é um domingo individual, em que não se pode sequer convidar outra pessoa para sair. Também não há eventos interessantes acontecendo nesses dias. Acaba-se aproveitando a folga para resolver pepinos que não puderam ser resolvidos nos outros dias. Se pudessem, todos obedeceriam às indicações do cardiologista. Mas fazemos parte de um sistema insensível, o que em outras palavras significa que não tem coração.