A Bicha ou o Bicho?
Por Carlos Sena  

            
 
Domingo é dia. Dia de tudo e de praia. De tirar uma paia, apenas. Dia de fazer o que se queira e de fazer besteira. Domingo é dia de pescaria pra quem é do mar e pra quem é do peixe. Sendo o peixe fresco mais ainda aumenta a cara do domingo.  Dia de ficar de boréstia em casa ou de jogar conversa fora alhures, eis que são coisas próprias dos domingos. Nesse clima de domingo, a praia estava toda entregue aos braços dos banhistas, então, pensei: por que não ir lá, dar o ar da graça. Fui. Por sorte velhos amigos estavam lá, sob um guarda sol gigante e as conversas rolavam despreocupadamente. Dava pra gente sentir as conversas indo embora sem nem se despedirem de nós, porque, afinal, a gente estava ali jogando conversa fora. Inesperadamente, uma pessoa chamava a atenção e todos: era um rapaz bonito que estava despertando a curiosidade de todos porque fazia quase meia hora que ele não se desgrudava de falar ao celular. Umas mulheres olhavam e comentavam que ele era lindo; os rapazes da ala cor de rosa suspiravam diante do porte do moço que não se cansava do seu celular. De repente o rapaz passou o centro das nossas atenções, não só pela formosura dele que a muitos despertava suspiros. Então todos passaram a querer saber o momento exato em que aquele rapaz deixava o telefone para, por exemplo, tomar um banho de mar. Após quase uma hora daquele espetáculo inusitado, várias foram as tentativas de compreender o que aquele bonito rapaz falava ao telefone e com quem... Tarefa impossível. O rapaz estava ora sentado, ora em pé, e ao seu lado uma cadeira vazia que bem poderia ser de alguma pessoa que ele esperava por companhia. Um amigo, um namorado, uma namorada, quem poderia saber. Certo é que ele trocava de orelha, sentava, levantava, dava voltas, piruetas, mas, nada daquela ligação terminar, mesmo a gente sabendo que era problema exclusivamente dele. No paralelo, os amigos começaram a teorizar acerca. Uns diziam que “Freud explicava”; outros diziam que se tratava de uma bicha louca; a mocinha do lado vendo nossa conversa dizia que ele não era bichinha, pois não tinha trejeitos; outro amigo teorizou acerca da juventude que se entrega ao celular como quem se entrega a um grande amor... E assim, várias foram as opiniões acerca do moço que, a mais de uma hora ao telefone não dava nem sinais de encerrar aquela ligação. Nisso, um amigo chega à roda e, diante das contradições diagnósticas acerca do rapaz vociferou: “gente, eu conheço essa bicha. Vocês estão malhando em ferro frio, isso é uma bicha louca que todo domingo vem pra praia sozinha e fica com o telefone o tempo todo nas orelhas, mas só que o aparelho é desligado. Ela faz isso porque não é boa do juízo e, por falta de amigos, todo o domingo está ali, naquele mesmo pedaço de praia, fingindo ser importante e passando para os outros a imagem de amado, disputado”...  Diante dessa declaração, todos demos boa gaitada e a moça do lado que estava de olho no rapaz deu uma rabissaca, pagou a conta e saiu arretada. O barraqueiro nos disse depois que ela teria dito que o mundo está perdido, só têm gays... Questão de somenos importância, diante da diversidade que o mundo, aos poucos, vai se acostumando... O pior ainda estava por vir: quando estava em casa, o telefone toca. Era um amigo me dizendo que a história de que o rapaz do celular uma bicha louca era tudo “caô”, quero dizer, foi invenção do outro amigo no sentido de que deixássemos o moço pra lá e retornássemos nossas conversas fiadas... Mas, ainda havia coisa pior: nada disso aconteceu. Eu é que, impressionado com o moço que ficou a mais de uma hora ao celular, inventei essas histórias como forma de me redimir de mim mesmo acerca daquele moço meio pirado, rodopiando feito um pião, e girando mais do que um ventilador, tudo por conta de uma conversa de celular, deixando, certamente, de curtir um sol maravilhoso que apareceu hoje na praia da Boa Viagem...