Malditos

Acordei maldito, como meus preferidos escritores, que denunciaram a podridão e a mediocridade do mundo. Um escritor maldito enxerga e escreve sobre becos, buracos, ruelas, poças, moscas e borboletas. Karl Marx é um maldito. Foucault, Schopenhauer, Rimbaud, Nietzsche, Tolstói, Houellebecq e Bauman também o são. Juremir Machado é meu vizinho e contemporâneo maldito.

Sonhei com o que vi nos últimos dias: muita miséria, uma criança com fome, um homem com aids, uma suicida, uma prostituta e uma usuária de crack, uma moradora de rua, um tuberculoso, um traficante de drogas e um assassino. Nada pude fazer, a não ser tratar suas moléstias e ouvir suas histórias. Acordei com náuseas matinais. Liguei a televisão, ouvi a voz do Galvão Bueno e vomitei.

Lembrei da minha avó, que morreu por erro de um médico branco e milionário. Esse médico deve estar agora em sua casa na praia. Minha avó no cemitério. Lembrei dos lacerdas de direita, que apoiaram a ditadura militar, dos racistas, preconceituosos, homofóbicos, misóginos, sexistas e burgueses. Todos babacas.

Conheço centenas de babacas. Não citarei seus nomes por motivos óbvios: um bom babaca adora um processo. Eles me consideram idiota e comunista. Epistemologicamente o babaca é um sujeito socialmente interessante e pouco estudado, que se reproduz por meiose, se movimenta como ameba e está em todos os lugares. Não é difícil encontrar um babaca. Difícil mesmo é aturá-lo. O babaca discursa por horas contra o aborto, as políticas afirmativas e a distribuição de renda. Os babacas estão em ascensão. Os malditos extintos. Quando morrem, babacas de ofício vão pro céu, pois frequentam missas dominicais com suas famílias nucleares. Os malditos se empoleiram no purgatório, e os maus malditos queimam felizes no inferno.

Brado pelo fim dessa sujeira, dessa desigualdade, dessa morte social. Enquanto isso, continuo nessa vida de maldito, ao passo que borboletas voam e a podridão do mundo aumenta.