PRETA E BRANCA
- O que você pensa que está fazendo?
- Ué, estou comendo pipoca.
- Mas... Você é uma galinha! Uma galinha preta!
- Puxa, até que para alguém que tem cérebro de passarinho você é bem esperta! E não é daltônica! Está realmente de parabéns!
- Deixe de ironias. Seu lugar não é aqui nesta praça.
- Ah, tá. Vai me dizer que eu deveria estar numa macumba. Você é tão óbvia com seus estereótipos!
- Não sou óbvia. O bicho homem nos designou papeis. Estou apenas desempenhando o meu. Você deveria fazer o mesmo.
- E qual o seu papel, que mal eu lhe pergunte?
- Ora, sou uma pomba linda, fofa e branca. Represento a paz.
- Logo se vê que não representa a modéstia. Só que por baixo de nossas penas somos todas iguais.
- Não queira se comparar a mim. Sou um animal nobre. Posso voar, como os anjos!
- Quer falar de nobreza? Enquanto eu alimento os homens, você faz cocô em suas cabeças! É mesmo um gesto muito nobre!
- Agora quem está estereotipando é você. Nem toda pomba faz isso. Aliás, por causa de umas poucas, todas acabamos por ficar com a reputação mais suja do que pau de galinheiro. Haha! Entendeu a piada? Pau de galinheiro... Essa foi demais!
- Meeeu Deus! Melhor você continuar representando a paz, porque se depender de fazer piada... hehehe
- Só rindo mesmo... E então, a que conclusão chegamos?
- Ah, acho que no fundo todos nós temos nossos pré-conceitos. Talvez tenhamos nos aproximado demais desse tal de bicho homem.
- Pode ser. Mas você há de convir que a pipoca deles é uma delícia...
- Ô se é! E por falar em pipoca, está na hora de voltar pro galinheiro. Até porque a velhinha que jogava as pipocas foi embora faz tempo.
- Também me vou. Vá pela sombra, galinha preta!
- E você fique na paz, pombinha branca!
E lá se vai a galinha preta pela estrada rumo ao sítio onde mora, pensando no quanto tinha sido boba em rotular a pomba branca. No fundo esta era uma boa pessoa, ou melhor, uma boa ave.
De repente, não mais que de repente, a galinha preta recebe uma rajada de cocô em sua cabeça.
Desnorteada, tudo que ela consegue distinguir nesse momento é a gargalhada sádica de uma certa pombinha branca...