MEUS AMIGOS DA TIRADENTES

                   Janeiro de 1.964, dia 6, dia dos Reis Magos. No corredor do ônibus que avançava pela Farrapos, eu me deslumbrava com a cidade grande. Embora, aos doze anos, já tivesse cursado a segunda série do ginásio e estudado geografia, Porto Alegre sempre me parecera o limite do mundo, tal como os europeus pensavam que seria o Atlântico, alguns anos antes do fim do século XV.

                     Naquele dia estávamos deixando a aldeia para virmos morar na capital. Imposição de minha mãe para que os filhos pudessem estudar e ter um futuro melhor que o dela. Dias antes da chegada, quando amigos perguntavam, respondia, orgulhosamente, que iria "morar no bairro Floresta, na rua Dr. Valle, que ficava entre a Cristóvão Colombo (o dito cujo que mudou o conhecimento dos europeus sobre o mundo) e a Independência (que, curiosamente, ficaria seriamente comprometida dois meses depois da mudança para a capital)". Não tinha a menor idéia do quê significava esta informação sobre o endereço, mas era gostoso encher o peito e dizer: "Vou morar na Dr. Valle, entre a Cristóvão Colombo e a Independência."

              Criado solto na aldeia natal, conhecido por todos, desde o "cubeiro" (condutor da carroça que recolhia os cilindros – até hoje não sei porque a denominação de "cubeiro", se os recipientes eram cilíndricos – que continham as fezes e outros dejetos dos sanitários primitivos, pois em muitas casas não havia esgoto cloacal e os sanitários como hoje se conhece), até o prefeito da aldeia, minha casa, meu lar, estendia-se por um espaço muito além da casa onde morávamos. Nesse tempo já se falava que haveria água "encarnada" na cidade e, quando isto aconteceu (a Corsan chegou por lá), fiquei muito decepcionado: a água da torneira era incolor! Imaginava framboesa, amora, morango!

            Mas, enfim, Porto Alegre, dos entregadores de leite em garrafas de vidro, dos verdureiros que percorriam o bairro apregoando seus produtos, dos bondes, do bar do "seu" Orlando, na Tiradentes. Opa, avancei o sinal! Tiradentes vem depois.

             Primeiro, a saudade da aldeia natal, a opressão, o vazio de amigos. Naquele mesmo verão voltei para a aldeia natal e fiquei por lá, até o reinício das aulas, em março.

            Quando voltei é que descobri que havia vida além de Candelária e a maior parte dela estava concentrada na rua Tiradentes, em cuja esquina com a Dr. Valle estava o prédio onde moraria por inesquecíveis sete anos. Foi ali que construí amizades que duram até hoje. Foi ali que criamos o "SET", Sociedade Esportiva Tiradentes, time de futebol de salão com torcida fanática; editamos jornalzinho estilo "Pasquim", dançamos as músicas dos Beatles e da Jovem Guarda no porão de uma casa que denominamos de "Boccaccio 70", com a contribuição de cada um levando os "LP" de sucesso, tocados na "eletrola" portátil.

         Foi na Tiradentes que passamos pela adolescência e nos despedimos da inocência. Foi na Tiradentes que aprendi o valor da amizade, da cooperação, da importância de ser importante para alguém ou um grupo. Foi ali que forjei conceitos, aprendi lições, sofri dor de perdas e me diverti muito com as coisa lindas que cada um tinha para dividir com o grupo.

        Quando, por exigência da família, fui morar na Av. Ipiranga, amarguei perdas irreparáveis. Foram dias muito tristes.

       Ao longo dos anos, mantive contato com alguns destes amigos. Mas domingo, dia 24 de novembro de 2.013, vamos nos encontrar. Não seremos os mesmos que fomos naqueles anos de 1.960, mas, por certo, teremos a mesma emoção de resgatar o que fomos naqueles anos maravilhosos.

Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 22/11/2013
Reeditado em 22/11/2013
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