Novembro,1963
NOVEMBRO, 1963
Quando Kennedy morreu, era um dia cinzento num mês de sol. Eu morava no interior e meus pais não tinham televisão em casa. A noticia chegou pelo rádio e causou rebuliço entre vizinhos e amigos. A América mergulhava em depressão. O terceiro presidente a morrer assassinado, transformava em pesadelo o sonho americano.
Para mim, Kennedy era uma figura mítica, como John Wayne e Zorro, o parceiro de Tonto. Lembro da propaganda veiculada pela Aliança para o Progresso, das revistas em quadrinhos distribuídas nos dias da feira livre, narrando a trajetória de Kennedy, sua atuação na Segunda Guerra Mundial, o resgate heróico de dois companheiros, feridos em águas do Pacífico e o prefixo do barco torpedeado, PT 109.
Na escola, preparavam-se refeições com os mantimentos do programa da Aliança. O sabor da papa e da sopa. Os sacos de sessenta quilos, com a figura de um aperto de mãos encimando a bandeira americana. Eu, sete anos de vida, o Grupo Escolar. A persistência na memória.
Então, aquele homem levara um tiro. Só um poder maléfico ou diabólico faria algo tão ruim. Em seguida, o assassino Lee Oswald, preso e morto á tiros por Jack Ruby, dois dias depois, na frente dos policiais. Tudo filmado, fotografado. O Repórter Esso virando Hollywood. Tal um episódio dos Intocáveis. Mais cedo ou mais tarde, Eliot Ness e sua turma, resolveriam tudo e a história terminaria, com a punição dos maus, os culpados.
Os vizinhos mais abastados, que tinham TV em casa, comentavam com meus pais o noticiário. Até hoje tenho dúvidas, se minha mãe chorou a morte do presidente. Kennedy era mais próximo que o prefeito da nossa cidade. Era um gringo sorridente e simpático, morava na América, tinha muito poder e era nosso amigo.
No ano seguinte, um rebuliço na minha vida pessoal, em sincronia com os eventos do golpe militar. Meu pai matou um homem e fugiu para não ser preso. O filho de um dos vizinhos foi preso por ser comunista. Isso me empolgou a imaginação. Diziam que ele pichava Viva Cuba e Morra Kennedy, nas ruas de João Pessoa. Um desnaturado, pensei.
Passaram-se cinqüenta anos. Os fatos continuam frescos na memória. Além de polemica e versões controversas, ficaram as imagens dos coloridos gibis de propaganda, da merenda escolar, das fotos de Lee Oswald e Jack Ruby, estampadas na Cruzeiro e na Manchete. Cinema, puro cinema. A realidade entrando na TV com a cara de Hollywood. As coisas mudando. Comecei a pensar que o presidente assassinado, talvez não fosse um cara tão legal assim. Descobri até que Zorro não era Zorro, era Lone Ranger, o Cavaleiro Solitário e que uma briga de tradutores criara mais um Zorro. Se alguém transformara Lone Ranger em Zorro no Brasil, Kennedy talvez não fosse John Wayne. Aí, a infância já era.