O operário da cidade
Se fosse mesmo para arriscar, eu diria que ele já devia contar uns trinta anos pelo menos. A despeito de sua estatura quase teen. Era sujeito ágil e prático, como poucos que eu já vira atuar em sua profissão. Glabro. A cabeça lisa como um ovo. Mas era dono de uma rua, e isso não era pouca coisa. Era realmente o dono. Muitas vezes pensei em abordá-lo. Sem ter, no entanto, o que dizer-lhe, recolhia-me, derrotado, a mera observação. Seu nome? Não saberia precisar. Poderia mesmo ser qualquer nome. Eu o conheci em meu primeiro dia no Rio de Janeiro. E, já nesse dia, fui obrigado a admitir meu respeito silencioso por ele. É provável que hoje, cinco meses depois, ele ainda nem tenha dado por minha existência. Mas jamais poderia culpá-lo. Minha existência, muitas vezes, não convence nem a mim. Minha inexperiência quase provinciana e seus gestos naturalmente furtivos fizeram-me confundi-lo, naquele primeiro encontro, com um ladrão de carros. E disso, muito me envergonho. Mas, que seja, esse é o pequeno registro do rei de uma rua inteira, e não um compêndio de minhas pieguices. É preciso poupar. O homem era manobrista.
Ele comandava todo o show. Julgo ser impossível que não se orgulhasse disso. Eu, pelo menos, orgulhava-me e muito. Ele subia e descia a rua de minha pousada a toda velocidade, de ré ou de frente. Um ser ziguezagueante e temerário por entre as balizas. Estacionava um carro entre dois outros como se tivesse colocando uma luva na mão. Cinco meses e nenhuma batida, nenhum arranhão. Absolutamente, ele era o rei desse negócio. Quantas vezes senti vontade de descer a rua, apertar-lhe a mão, enfim, felicitá-lo simplesmente? Mas nunca o fiz.
Hoje, exatamente cinco meses depois, é o dia de minha partida. E hoje completam duas semanas que meu amigo não aparece à rua. Outros sujeitos desastrosamente tenta substituí-lo. Em vão. Essa é uma rua de um dono só. Não percebem?
Não sei se ele encontra-se enfermo, se foi levado pela polícia, se morreu de desastre ou intoxicação. Nada. Sei apenas que, durante cinco meses, um homem tão solitário quanto eu mesmo, fez-me companhia sem sabê-lo. Duas solidões distintas, mas irmãs e companheiras. E agora nem mesmo posso agradecê-lo. A você, meu amigo: ofereço tudo que tenho em mãos. Essa pequena e medíocre crônica que jornal nenhum jamais publicará e que será conhecida apenas por dois ou três pares de olhos amigos, se tanto.
Ouso fazer-lhe oferta tão vulgar por sabê-lo um exemplar humano sem ganância. Esteja em paz. E agora, como se estivesse depositando uma carta em uma garrafa, acrescento apenas: volte logo para seu posto, reorganize a rua que seus êmulos não podem dar conta, são principiantes. Falham redondamente, mais ou menos, como esse escriba sem talento que, em vão, tenta prestar-lhe a última reverência.