Correspondência

Quando eu tinha dezessete anos, ainda fazendo o Colégio Normal, uma das minhas melhores amigas, Mirna, que estudava na mesma sala, mas que morava noutra cidade cismou que eu tinha de conhecer um amigo, vizinho dela.

-Vocês combinam: ele gosta de escrever como você, gosta de ler, de fazer poesia. Escreve uma cartinha que eu entrego a ele. Primeiro vocês se escrevem e depois, se quiserem, conhecem-se pessoalmente.

Começava ali uma longa temporada de troca de cartas, tendo Mirna como mensageira.

Todos os dias eu escrevia longas cartas, conversando com meu novo amigo. Escrevia poemas, ou enviava poemas de autores dos quais eu gostava e assim ia tecendo uma amizade literária.

Através das cartas diárias eu percebi que o rapaz se encantava comigo. De minha parte, o encanto era menor, mas estava aumentando a cada dia. Sentia-o próximo, carinhoso, inteligente e escrevia muito bem, item que eu considerava muito importante.

Tanto escrevemos que combinamos de nos encontrar.

- Estarei aí na sua cidade na sexta-feira e gostaria de conhecer você, escreveu-me ele, em meio às poesias daquele dia.

Eu não queria quebrar o encanto daquela correspondência encantadora que já fazia parte de minhas leituras. E se eu não gostasse dele pessoalmente? Se fosse mais baixo que eu? e se fosse desdentado? e se fosse gago? e se fosse feio? e se...?

Dúvidas, dúvidas, dúvidas!

Mas para não ser estraga-prazeres concordei e escrevi.

- Sim, estou louca para conhecê-lo também.

Menti deslavadamente. Por mim continuaria do jeito que estava, somente com cartas longas, diárias e quase apaixonadas. Eu estava com medo como sempre. Medo de me decepcionar.

Compareci ao encontro que marcamos num terminal de ônibus em meio à algazarra de muitos estudantes de várias cidades.

Mirna, a minha amiga mensageira, conduziu o encontro. Levou-me até ele, que estava no meio de uma turma de amigos, sentado no muro, falando alegremente.

Segurei-me em minha ansiedade: bonito ele não era, mas era alegre, justifiquei-me. Mas não reconheci nele o rapaz das cartas. As letras não se encaixavam naquela fisionomia meio tímida, embora risonha. A poesia destoava daquela voz real. E eu não conseguia ser natural. Apenas fingia estar contente, mas meu sonho estava desfeito. Eu fizera um perfil idealizado do meu correspondente e ele não se encaixara nos moldes.

Depois deste encontro, as cartas continuaram, mas com menos freqüência. Ele foi estudar na capital e ainda me escrevia quando encontrou uma namorada de verdade. Torci pra que ele fosse feliz, realmente.