O gol não é tão importante
Há quem duvide, mas este sujeito aqui, de óculos e aparelho, corpo franzino, parecido com o Harry Potter, apreciador de literatura, pesquisador histórico, também é, de vez em quando, jogador de futebol. Ando destreinado, é verdade. Depois dos primeiros minutos de partida no último domingo, perguntei, por precaução, se havia um desfibrilador por perto. Mas logo me acostumei ao ritmo da partida e, para o espanto daqueles que não me conheciam, provei que os nerds também sabem jogar bola. No início é mais fácil: como ninguém espera muito de mim, aproveito para roubar a bola, driblar o goleiro, entrar com bola e tudo. Não que eu seja um grande jogador. Mas faço gol. Sou uma espécie de Finazzi das araucárias. É justamente por não ser um craque que eu consigo fazer os meus gols, já que sempre me preocupo em fazer o mais simples. Não achasse eu que sou um craque na vida, talvez eu também vivesse melhor.
Mas há um momento em que saio de campo para descansar e dar lugar a outro. Do lado de fora, sentado à sombra, observo aquele amontoado de machos correndo atrás de uma bola. De repente acontece uma dividida mais forte e os dois envolvidos começam a se estranhar. Por pouco não sai briga feia. Depois que os ânimos se acalmam, eu começo a pensar coisas que nada tem a ver com futebol. Dou-me conta que aquela partida é passageira e que quando terminar eu ainda terei uma garota. Esse pensamento me faz feliz e superior a todos os outros jogadores, que provavelmente não conheceram ninguém especial nos últimos dias, e que ao fim da partida terão que voltar para as suas vidas absolutamente masculinas. Eu não: eu tenho um segredo que me faz sorrir abobadamente. Como são banais e sem sentido essas discussões sobre a bola ter saído, sobre alguém ter sofrido uma falta. Tudo isso perece rapidamente. Dentro de mim permanece aquele sentimento estranho de amor prestes a acontecer. Volto a campo e já nem acho que fazer gol é tão importante assim.