Os Livros e Eu.
O primeiro livro, "Alice no País das Maravilhas", ganhei no aniversário de sete anos. Era uma menina tão suscetível que fiquei mais assombrada do que maravilhada com a estória da protagonista que ora encolhia, ora aumentava de tamanho. Mais temi a Rainha de Copas, que decepava cabeças, do que ri do Chapeleiro Maluco.
Um pouco mais tarde, os livros me seduziram para sempre, quando descobri Monteiro Lobato e seu universo lúdico e encantado. A coleção foi um presente de meu avô ao meu primo mais velho, e como morávamos lado a lado fui de Reinações de Narizinho ao Poço do Visconde, no ir e vir entre a minha casa à saleta onde estavam os livros na casa vizinha.
O mundo de Lobato fascina-me até hoje. Reli as aventuras dos netos de Dona Benta inúmeras vezes. Li para minha irmã caçula e para minha filha, revivendo sempre o prazer.
Cresci com acesso aos livros. Meus pais liam muito, cada um ao seu gosto. Papai preferia as biografias, as memórias e os livros sobre comportamento. Fui apresentada a Pedro Nava por meu pai. Numa época em que os atrativos da adolescência me levavam a sair de casa para desvendar um novo mundo, eu preservava um tempo para ler as memórias de um homem nascido no início do século XX e me deleitava principalmente com as minúcias da vida de Nava em "Baú de Ossos", "Chão de Ferro", "Beira-mar" e "O Círio Perfeito".
Minha mãe é uma leitora criteriosa. Flaubert é seu escritor favorito. Ela o lê no idioma original e nutre ternura e piedade por Madame Bovary, personagem central do romance de mesmo nome, no qual autor e personagem se confundem, afinal é do próprio romancista francês a frase "Emma Bovary c'est moi". Eu também gosto de Gustave Flaubert, todavia o romantismo exacerbado de Emma assusta-me um pouco.
Fui privilegiada, pois além do incentivo dos meus pais, eu tinha na casa do meu avô um recanto mágico. No andar superior de sua casa havia uma sala inteira revestida de estantes baixas, guardando autores nacionais e estrangeiros. Lá eu encontrei Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, José de Alencar, Scott Fitzgerald, Balzac, Dostoievski e muitos outros escritores - abro um parêntese para dizer que não fui nenhum prodígio: muito do que eu li na época não entendi, e só fui apreciar realmente alguns autores muito mais tarde.
Outros, ainda não tenho maturidade intelectual para entendê-los. Deixarei Joyce para mais tarde, se for prazeroso ler, pois só leio por prazer, nunca por obrigação.
Hoje tenho comigo um tesouro que foi de meu avô: uma coleção comemorativa dos cem anos de Eça de Queiroz. São exemplares editados em Lisboa e pesadíssimos, que se me causaram tendinite, deram-me muito mais satisfação.
Vivo rodeada de livros. Tenho livros à mesa de cabeceira, em estantes no quarto e no corredor do apartamento, no trabalho, ao lado do computador e na bolsa. Os personagens trago-os em mim. Mas leio sem método. Leio o que gosto e o que o meu momento interior pede.
Freqüento livrarias para um cafezinho e para folhear livros. Usualmente, preciso me controlar para não sair sempre com uma despesa a mais no cartão de créditos. Sou do tipo que adora presentear com livros às pessoas de quem gosto muito. Quem ganhou um livro meu pode ter certeza que faz parte do meu mundo afetivo, pois ofereço carinhosa admiração junto ao deleite do conhecimento e da vivência através da escrita.
Se me arrependo de ter dado pouca atenção às aulas de gramática, agradeço aos editoriais do JB e da Folha, recortados na minha adolescência por meu pai para mim, pois assim como um músico que não lê música, mas toca seu instrumento, eu não tenho a técnica e escrevo porque leio. Escrevo "de ouvido".