Impressiona-me como estou sempre partida. mesmo quando tudo contribui para que prossiga inteira, mesmo depois de feita uma breve avaliação, entenda-me plena, mesmo assim consigo desvendar partes que não se agregam ao todo, como se faltasse uma peça do quebra-cabeça. Necessário se faz procurar fendas e tentar remendá-las.
Após essas palavras, volto a ler o que acabo de escrever e consigo começar a desenrolar o fio da meada. Algo está incompleto.
Vamos por etapas. Tenho o bucho cheio de delícias nordestinas, como aliás todo nordestino gosta. Tenho um ninho à beira-mar, cheio de penas, galhos, fotos, flores e uma rede na varanda que me acolhe sempre que o corpo cansa. Tenho por vizinho, nada menos que um mar imenso e assustador no seu roncar nas madrugadas e que me inebria com seu cheiro de maresia... Tenho um amor que me completa, que me faz sentir fêmea plena, que descobre em mim lados que eu nem desconfiava existir. Eternas buscas, eternas descobertas. Tenho filhos, netos, amigos, algumas plantas, muita música, paz, tudo alegrando meu viver...
De repente mergulho dentro de mim e descubro o buraco. É nada menos que um buraco chamado Saudade. Saudades de um cão que , mesmo cocho, me seguia como se um cão fosse. Cocho, de espinhela torta, perna fina à transparência ameaçando partir a qualquer hora, de olhar doce, meigo e que me completava. Inteligência descomunal, ternura sem par, me amava incondicionalmente e era retribuido. Nome: Esquilo Costa, para os íntimos KIKI. Um galgo fidalgo.
Pois é, ainda bem que descobrí à tempo a falha, a falta. Saudades de suas costas esqueléticas a me empurrar na cama, cobrando espaço, de seu protesto quando eu levantava à noite. Ele me queria por inteiro. Saudades de quando dialogávamos horas à fio só com o olhar. Estávamos além das palavras.
Nada é inteiro, nada é completo. Só agora entendí que o que me falta é KIKI.