Ele e Ela – Parte Final

Passaram-se dez dias daquele encontro casual no supermercado. Alex estava inquieto. Tentava tomar coragem para pegar o celular e discar o número de Jaque. Mais ainda, convidá-la para um encontro naquele sábado à noite.

Seu primeiro passo foi pegar o telefone e abrir a agenda de contatos. Travou olhando fixamente para o escrito em tela: “chamar”. O que falaria? Como começaria a conversa? Qual programa seria melhor para propor? Um cinema? Um jantar? Balada? Alex tinha várias indagações. Suas respostas estavam no outro extremo da ligação. Após dez minutos de filosofia barata e improdutiva, de desculpas covardes para não ligar, decidiu lançar-se a sorte. Seu dedo tocou a opção “chamar”, e logo a foto de Jaque tomou conta da tela de seu celular…

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Jaque estava perdida em seus pensamentos, correndo pelo décimo primeiro minuto consecutivo na esteira da academia, quando a música que escutava, “All these things that i´ve done”, do “The Killers”, foi abruptamente cortada, sendo substituída por “All My Life” do Foo Fighters, seu toque de celular. Na tela a foto de Alex. Um ligeiro frio na barriga a atingiu antes de atender a chamada.

Dou outro lado da linha ele parecia hesitante. Talvez nervoso. Ela já sabia o motivo da ligação. Ele pergunta se tem planos para a noite. Jaque por um instante pensa em dizer que sim, que já tinha algo marcado. Mas não poderia fugir para sempre daquele convite. Aliás, o mais certo era aceitar o convite. Acertam então de ir a um restaurante japonês. Boa pedida. Ela adora a comida, o ambiente é propício para uma boa conversa, a noite não seria perdida. Mas porque pensar em noite perdida? Não tinha que ter expectativas. Nem positivas, nem negativas.

Alex diz que irá buscá-la às 20 horas. Jaque diz que pode passar para pegá-lo, pois ele viria de moto, enquanto ela o buscaria de carro. Relutante, alegando ter feito o convite, Alex faz questão de pegá-la. Ela só teria que colocar um casaco a mais. Ela sorri levemente, lembrando que quando namoravam ele havia lhe presenteado com um lindo sobretudo, justamente para quando saíssem de moto. Despedem-se rapidamente, e ambos desligam os telefones mais ansiosos do que quando o atenderam.

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Alex sentia-se diferente naquela noite. Em cima de sua Honda CBR 1000, dirigia-se ao apartamento de Jaque. Aquele trajeto, que durante anos foi rotineiro, parecia interminável. Parecia estar indo para seu primeiro encontro. Ansiedade, frio na barriga, boca seca, milhares de cenários passando por sua cabeça, tentativas de criar diálogos e assuntos a serem abordados. Alex não se reconhecia. Mas logo caiu na real e viu que aquele era sim um primeiro encontro. Após o rompimento com Jaque não tinha se relacionado com mais ninguém. Algumas garotas esporadicamente preencheram seus vazios, mas nenhuma foi capaz de sequer tornar-se marcante, digna de lembrança. Escondido atrás de seu capacete, Alex tentava conter sua empolgação. Não queria criar esperanças. Aquele era um encontro casual, de dois amigos, duas pessoas que se gostavam e ficaram por um longo tempo distantes. Sem segundas intenções. Não que recusasse tais pensamentos. Mas não queria se iludir e muito menos magoar, novamente, Jaque. Sentia falta dela. Muita falta. Tê-la encontrado no mercado duas semanas atrás fez cair sua ficha. Mas não sabia da recíproca. E nem a cobraria por isso.

Em meio a esses pensamentos Alex parou a moto em frente ao prédio. Suas mãos suavam. Deu um breve sorriso para descontrair, respirou fundo e seguiu em direção à portaria.

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Jaque já estava pronta quando o interfone tocou. Foi só colocar o sobretudo e pegar o elevador até o hall. Enquanto o elevador descia os dezoito andares de seu prédio ela pensava no quanto tinham pra conversar naquela noite. Muito a ser dito, explicado, refletido. Mas Jaque não queria colocar pautas a serem discutidas. Tudo deveria ser natural, fluir.

De longe avistou Alex. Recostado na moto, dois capacetes sobre o banco. Ele virou-se quando escutou o clique metálico do portão abrindo. Sorrindo, abriu os braços, recebendo-a com um abraço quente naquela típica noite fria de inverno paulistano. O abraço durou coisa de 5 segundos, mas pareceu durar o tempo que ficaram separados. Levemente constrangidos separam-se, como que por culpa, como se naquele abraço estivesse explícito algo que não queriam demonstrar. Rapidamente Alex teve uma de suas eficazes tiradas.

- Aqui está seu capacete, vai deixar seu penteado mais bonito.

- Hum, eu disse para irmos no meu carro, mas você é tão teimoso – respondeu Jaque revirando os olhos, mais para fazer um charme do que por não gostar de andar de moto.

- Essa é a deixa pra te dizer que você fica linda de qualquer jeito – Alex retruca, já subindo na moto, fazendo uma última pergunta antes de fechar a viseira do capacete – Vamos?

Jaque apenas acenou com a cabeça e subiu na garupa. Segurou firme na cintura de Alex. Ele acelerou, e o encontro então havia começado.

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Sentados frente a frente, Jaque e Alex esperavam pelas entradas escolhidas. Enquanto bebericavam, ele um chá gelado, ela um suco de laranja, começaram a colocar o papo em dia.

Falaram sobre as vidas profissionais: o sucesso de Jaque em seu escritório de advocacia e a crescimento de Alex no mercado de imóveis, como corretor de uma grande imobiliária. Ela tinha conseguido tornar-se sócia no escritório de advocacia, objetivo que tanto almejava. Alex sentia-se orgulhoso por ela. Algo que não conseguia sentir quando estavam juntos. Achava que ela se dedicava muito ao trabalho. Que colocava o profissional acima do pessoal. Arrependeu-se por esses pensamentos. Hoje ela era a imagem do sucesso. Linda, inteligente, bem sucedida, solteira. Já Alex aproveitava do bom momento imobiliário que vivia São Paulo e fechava um grande negócio atrás do outro. Mas como esse mercado não lhe trazia garantias futuras, ele investia em cursinhos e materiais preparatórios para concursos públicos, buscando uma carreira estável e rentável ao mesmo tempo. Jaque via agora ambição em Alex, algo que não existia antigamente. Parecia que, nesses seis meses separados, ele tinha amadurecido muito mais do que no tempo em que ficaram juntos.

Alex elencava os livros que tinha comprado para estudar quando as entradas foram trazidas pelo garçom. Entre um sushi e um sashimi atualizavam-se sobre os amigos em comum que tinham, mas que ficaram “distantes” por conta do rompimento do namoro. Muita coisa havia acontecido em seis meses. Alex contou que pensava em comprar um cachorro. Ainda não tinha definido a raça, mas queria um bem bagunceiro. Jaque achou a ideia maravilhosa e pediu para que ele a deixasse escolher o nome do cãozinho. Ela ainda disse que tinha aberto uma poupança onde depositava mensalmente uma pequena quantia, para futuramente fazer uma viagem inesquecível. Alex contou que ia fazer uma tatuagem, uma fênix, para simbolizar um renascimento cotidiano, pois se sentia uma novo alguém toda vez que acordava. Jaque disse estar lendo “Crime e castigo”, de Dostoievski. E era uma novidade atrás da outra. Durante aquela noite mais falaram do que comeram, e quem olhasse de fora aquele casal sentado conversando exaltados diria que estavam bêbados. Mas pelo contrário, aquela “embriaguez” se resumia a eufórica necessidade de fazer o outro saber cada detalhe do que havia se passado em sua vida. Pareciam estar se completando ao trocar informações. E nesse vai e vem de histórias, gargalhadas, reflexões e conselhos, nem viram a hora passar.

Quando Alex olhou no relógio nem acreditou que já era de madrugada. Jaque então o alertou para olhar em volta. O restaurante estava vazio. Os funcionários aguardavam os dois, como que implorando para que se calassem e fossem embora. Riram sem culpa. Pagaram a conta e deixaram o local. Um vento frio cortava a rua. Jaque encolheu-se no seu sobretudo, aproveitando para resmungar ironicamente:

- Da próxima vez viremos com meu carro e desfrutaremos de um ar condicionado quentinho…

Alex logo retrucou, num tom desafiador:

- Então haverá uma próxima vez?

Jaque aceitou o desafio e respondeu com um leve sorriso:

- Essa resposta eu não preciso te dar.

Subiram na moto, mas antes de acelerar Alex levantou a viseira do capacete e disse:

- Estranho irmos embora e eu ter que te deixar no seu apartamento. Situação nova pra mim. Muito formal.

- Pois então acostume-se rapidamente, pois é isso que irá acontecer – Jaque respondeu, delicadamente abaixando a viseira de Alex e apontando para a pista, como se desse o comando para seguir em frente.

A viagem foi rápida. Em pouco tempo já estavam em frente ao prédio. Lugar que durante 4 anos foi moradia de Alex.

- Adorei a noite. Foi bom pra matar as saudades – disse Jaque, descendo da moto e entregando o capacete para Alex.

- Também gostei bastante Jaque. Foi uma ótima noite.

- Sabe de uma coisa Alex. Você se deu conta que quase não falamos sobre nós? Sobre Alex e Jaque, Jaque e Alex?

- Engano seu Jaque, o jantar inteiro só falamos sobre nós, você que não se deu conta – respondeu Alex, dando um beijo provocante no rosto de Jaque – Te cuida e boa noite!

- Boa noite pra você também!

O porteiro abriu o portão para que Jaque adentrasse o edifício. Então Alex colocou o capacete e ligou a moto. Voltou-se rapidamente para atrás, levantando a viseira.

- Jaque.

Ela, já quase no hall de entrada, fez meia volta e voltou-se para Alex.

- Vou ficar esperando você me ligar – o recado saiu abafado pelo capacete.

- E por que eu iria te ligar, hein? – agora era Jaque quem parecia lançar um desafio.

Alex quase nem deixou ela terminar de perguntar para responder.

- Pois simplesmente foi você quem disse que teria uma próxima vez.

Ele piscou malandramente, acelerou a moto e foi embora.

Jaque ficou olhando até Alex virar um ponto distante no horizonte, pensando que naquele instante ele estava mais próximo dela do que nunca.

DanBraga
Enviado por DanBraga em 15/11/2013
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