"Não se nasce mulher, torna-se..."
Já dizia Simone de Beauvoir ,"Não se nasce mulher, torna-se". É uma afirmativa que trago comigo e faço questão de usá-la em defesa daquelas que necessitam de mim. É preciso tornar-se a todo instante, a cada dado momento, pelo princípio de igualdade que nos legitima como ser pensante e atuante na sociedade... Desta forma dizer também basta. Basta sociedade patriarcal, basta sociedade unilateral, basta sociedade que não se respeita nem respeita as suas mulheres cidadãs de direitos e de deveres assegurados por lei... Minha cliente é mais uma vítima da violência que está espalhada pelos quatro cantos e vai de vento em polpa bater na porta e entrar por qualquer brecha que encontrar, se instalando aos poucos, sendo expulsa por pedidos de desculpas descabidos, escondida como poeira debaixo do tapete porque ganhou um agrado, um jantar especial ou aquele presente tão esperado e tão inesperadamente, quando tudo parece estar resolvido, volta novamente com uma palavra de desagravo, com um gesto de indelicadeza, com um punho cerrado a acertar de cheio o olho ou a boca ou o pé do ouvido ou o seio ou qualquer outra parte que se possa dizer ter sido uma queda, um escorrego, um deslize, uma falta de atenção, uma desculpa qualquer, como cumplicidade ao agressor que permanece impune até calar nossas voz...Não se nasce mulher, torna-se, porque ser mulher, hoje, não estar mais presente no discurso de subserviência ou submissão a que nos foi resguardado por muito tempo... Por muito tempo fomos tratadas como objeto ou mercadoria; como moeda de troca ou barganha; como pressuposto de ostentação de postos inferiores: lavar, passar, cozinhar, cuidar de filhos, parir, servir aos maridos sem ter direito ao prazer, a vontade de viver, de dizer coisas que sentia, de sentir necessidade de ser livre, de ter liberdade de ir e vir. É preciso tornar-se, vir a ser, ser com vontade aquilo que estar dentro de cada uma de nós com a finalidade de uma existência significativa, longe das garras desse monstros que trucidam a meiguice que há em nós, não como seres frágeis, mas como tecelãs de uma vida próspera, atuante, de igual para igual, nas determinações da vida... É preciso tornar-se para que se efetue a Lei de respeito e punição aos que desordeiros, aos que desobedecem, aqueles que se acham donos, compradores, comerciantes da mercadoria que não somos... Maria das Graças é a representante daquelas mulheres que acreditam nos príncipes encantadores, que se envolvem em paixões desenfreadas, que veem no casamento uma oportunidade de compartilhar vidas, que estão vitimadas a todo instante, a cada dado momento de atos de violência... São atrizes de roteiros que não escreveram e que nunca desejaram ser as protagonistas de cenas tão cruéis, sanguinárias... São atrizes de vidas que nunca sonharam em ter... Basta, é preciso dizer basta a esse tipo de violência tão presente no nosso meio, em nosso dia a dia que silencia tantas mulheres que não tiveram a oportunidade de tornarem-se! Nasceram, mas a vida soube tão bem torná-las obscuras, desconhecidas, serviçais, vitimas pela violência doméstica...Não se nasce mulher, torna-se, já dizia a Simone de Beauvoir!
(Marcus Vinicius)