ESTOU TÃO À FLOR DA PELE

Estou tão a flor da pele

Ontem estava assistindo um dvd da Gal Costa, em que ela apresentava o Zeca Baleiro com a composição "Vapor barato”, de forma magistral. O tema obviamente trata da angústia e o desespero do provável amor não correspondido, mas os versos tocam tão profundamente que podemos adaptá-los a qualquer situação, desde que estejamos emocionalmente envolvidos. O verso em que diz “ Ando tão à flor da pele, qualquer beijo de novela me faz chorar, ando tão à flor da pele, que teu olhar me faz morrer…” e por aí vai, nos remete a uma gama de sentimentos. Ando tão à flor da pele, quando assisto em documentários em canais pagos, que centenas de crianças brasileiras viveram longe de seus pais, em outros países, e agora, na idade adulta, lutam para encontrar vestígios de sua vida passada. Pais que foram sequestrados, torturados, mortos pela ditadura que grassou no País. Ando tão à flor da pele ao observar as pessoas rirem e debocharem do Brasil, sem se dar conta que o fazem contra si mesmo. Que desconsiderem os governantes, que não os tenham como exemplo, que execrem os maus políticos, tudo é aceito, mas que diminuam o Brasil como nação a partir de considerações de desprezo, achando que tudo que vem de fora é melhor, mais politizado, mais culto, em sintonia com a cultura mais elevada. Fico à flor da pele, quando assisto a regionalização de nosso país ser padronizada por uma cultura pasteurizada por um modelo midiático, sob vários aspectos, obedecendo cega e servilmente ao imperialismo da mídia maior, principalmente da tv, assistida e introjetada pela maioria do povo brasileiro, enquanto quarto poder. Fico ainda mais à flor da pele, quando imaginam que estes senhores, poucas famílias que mandam no setor, estejam financiando a educação e a cultura do povo brasileiro, quando na verdade estão deformando e rindo de nossa cara, preocupados apenas com o vil metal. Fico à flor da pele, quando estes mesmos senhores lutam por liberdade de expressão, quando na verdade somente temos uma verdade, a verdade dita e exacerbada por estes mesmos donos do monopólio. Fico tão à flor da pele, quando nossa programação regional e limitada a pequenos blocos, sucintos, relegados a segundo plano e em horas onde a audiência é mínima. Fico tão à flor da pele, quando os estilos de vida, de moda, de arte são ditadas de acordo com alguns pontos de vista, moldados no poder do consumismo e do dinheiro, do marketing da beleza e da falta de integridade social, na qual a liberdade de escolha é tolhida e dirigida a uma sociedade imprevidente. E o lamentável é que as pessoas acham que tudo está certo e condenam um rigor na regulação do meios de comunicação e até mesmo o governo, que, de certa forma, furta-se a este processo. Há os que são a favor do monopólio da mídia por puro desconhecimento, porque só veem um lado da questão, acreditando que o grupo midiático está em consonância com a constituição, o que não é verdade. A sociedade incauta, por sua vez, dia a dia se afunda, chafurdando na lama do marketing televisivo, adquirindo hábitos que muitas vezes ferem suas crenças mais íntegras e, tentando seguir a corrente pseudo-moderna, perseguem caminhos que a transformam numa caldo inodoro. Criam para si, formas de pensamento, estilos que contrariam seus pares, esquecendo as suas raízes, suas tradições, sua cultura e seu relacionamento harmonioso com a cultura regional. Esquecem os grandes compositores, os poetas, a arte, a literatura. O que vale são as novas formas de interação com o público a partir de monossílabos exaustivamente repetidos, uma forma enviesada de música, além da veneração por livros de auto-ajuda, ou acerca de sub-celebridades. Aparecer, sob qualquer hipótese, é o que realmente importa.

Mas fico tão à flor da pele também, quando assisto a Gal, a Bethania, a Maria Rita, o Lenine, só para falar de alguns. Fico à flor da pele em ler e reler um Kafka, um Machado, um Dostoievisk, Florbela Espanca, Mia Couto, também para falar de alguns. Ou ler um artigo de um Leonardo Boff, um Gustavo Moreira, Alberto Villas, Menalton Braff, também só para citar alguns. A estes, e muitos, muitos outros, meu coração se arrepia, e fico emocionado à flor da pele. Uma emoção boa.

Gilson Borges Corrêa
Enviado por Gilson Borges Corrêa em 13/11/2013
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