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A PASSEATA
 
 
      Era gigantesca aquela passeata que acabara de chegar e na qual só se viam mulheres.
 
      Mulheres de todos os credos do pensar e do agir políticos, no cordão infindável acabado de aportar em um dos cantos da praça, lá onde mais escorrem os incessantes automóveis e linhas de transportes coletivos.  
 
      Pelo carro de som, a voz da conhecida guerreira politonava ao largo, bem ao sopé de uma das Caixas d’Água, às barbas da altiva Faculdade de Direito.
 
      Não poderia haver dúvida: era a mesma voz da guerreira e revolucionária Rosa, a nossa La Pasionaria de tantos e tantos embates e outras manifestações e atos públicos mais.
 
      Em inquieto silêncio, estacado como um recruta em continência ao seu general, eu me detive à borda da calçada, a ver com respeito o mar enorme das mulheres manifestantes.
 
      Cobrando por justiça, cartazes lembravam a moça que fora assassinada pelo namorado, lá em um popular conjunto residencial. Ficha do indigesto matador: um machista, ciumento e truculento policial militar.  
 
      Fechado em mim, olhando tudo e ouvindo as palavras de ordem, senti-me inútil, ao contrário de quando seguia tantas e tantas vezes em passeatas, também a vociferar os meus protestos.
 
      Inútil, também, poder me ficar naquele front de relevante expressão política e de cidadania. Estava indo, no ensejo daquele ato público, a resolver caso urgente e particular, uma inadiável providência de exames de saúde em um dos meus institutos previdenciários.
 
      Com reverência, somente estaquei e olhei a cobra imensa de pessoas, logo depois transformada num oceano de gente e agora pousada no sopé da anosa caixa d’água, ali à orelha da Faculdade de Direito.
 
      Antes de me ir em frente, no entanto, constrangido por não poder assinalar presença, como dantes, com algumas velhas conhecidas eu confabulei. E, daí, as minhas desculpas de que estava a solucionar problema. Era sincero, eu estava; em uma roda-viva, naquele momento.
 
      O fato se deu e faz muito tempo, mas confesso: doeu-me fundo não ter entrado e montado guarita naquela concentração solidária, mais que necessária, seguramente com 99% só de mulheres ideologicamente politizadas e engajadas em lutas sociais.
 
Fort., 13/11/2013.

 
Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 13/11/2013
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