O Alfaia

- Sentem-se ali naquela mesa que eu já vos atendo.

O meu colega fez uma leve inflexão para a mesa indicada, enquanto eu num meneio com o rosto, interrogo a Rosa Maria sobre quem eram aqueles dois que ocupavam a nossa costumária mesa três.

- Vão escolhendo que eu já falo convosco. – Sempre apressada, foi atender o pedido da mesa ao lado - Sai um bife à casa e um bacalhau com natas para a mês três – disse para o cozinheiro. - Perdão… mesa cinco. – Emendou, continuando a sua ronda pela sala de jantar.

À força de nos sentarmos sempre na mesa três, fez com que a empregada se enganasse, originando um leve sorriso no meu companheiro.

Pouco mais de cinco minutos e já nós nos deliciávamos com os pratos pedidos, servidos com abundância, bem confeccionados e em conta. Àquela hora, pouco passava das doze, já as duas salas do restaurante, se enchiam de jornalistas e funcionários dos jornais, A Bola e Diário de Noticias. Outros clientes das mil e uma profissões que proliferavam no Bairro Alto, também faziam parte dos comensais. Mais dispersos e em grupos menores não davam tanto nas vistas, como o pessoal dos jornais. Tampouco se faziam ouvir com a mesma familiaridade, salvo um ou outro, que como cliente diário se impunha duma forma pouco usual; fazendo directamente o pedido na cozinha.

Outros aconselhavam-se com a Rosa Maria, sobre o que comeriam nesse dia. A diligente empregada que a par da colega da sala de baixo, conseguia a simpatia de todos os clientes, sem perder demasiado tempo em cada mesa, tendo dias de servir sessenta almoços. Numa correria e eficiência que lhe era peculiar.

Começava por volta das dez e trinta a pôr as mesas e às doze menos um quarto, o restaurante Alfaia estava pronto a servir com a qualidade de sempre. Restaurante centenário, fundado em 1880, em pleno coração do Bairro Alto, com tradição familiar onde imperou e impera a qualidade a preços módicos.

Muitas histórias encerram as paredes daquele estabelecimento, desde o tempo em que uma refeição custava 300 reis, mas esta, é passada em pleno século XX e presenciada por mim.

O barulho costumeiro dos talheres, eram como música de fundo, na sala do restaurante em plena laboração, onde se misturavam odores dos diversos pratos degustados com apetite, entre conversas de circunstância e o tilintar dos copos.

«Onde é que nos sentamos? A minha conta!... O que me aconselhas hoje Rosinha? É um café com a dose do costume». Eram estas as únicas vezes em que o som aumentava de volume. Modo empregue pelo cliente habitual para se fazer ouvir e atrair a atenção da empregada.

Com o tempo, também nós, sentia-mos uma certa deferência por parte da Rosa Maria. Sem no entanto nos permitir algum tipo de brejeirice ou outra falta de respeito, como nos foi dado ver noutras casas de restauração daquele bairro. Onde a prostituição se expunha aos olhos de toda agente, em cada café, a cada esquina. Confundindo os menos familiarizados com as gentes do bairro. Levando a pensar que ali eram só prostitutas. Nada mais errado. Ali, como em qualquer outro lugar havia gente de bem. Gente honrada e trabalhadora que indiferentes ao bulício dos sábados e domingos prosseguiam a sua vida fechando os olhos e ouvidos aquela realidade.

A curiosidade e o facto de estar de frente para a mesa que era normal-mente ocupada por nós, fez com reparasse melhor nos dois desconhecidos que a ocupavam agora. Um aparentava ter uns vinte e cinco anos e o outro um pouco mais velho, ambos muito bem vestidos.

A refeição decorria normalmente quando se ouviu um sururu. Toda gente se virou nessa direcção. De pé, junto à mesa três, Rosinha e o cliente mais novo preparavam-se para abrir uma garrafa de espumante, enquanto todo pessoal da cozinha se juntava, servindo taças a todos os comensais.

Respondendo à nossa surpresa, foi feito um pedido de casamento pelo jovem à nossa Rosinha. Entre lágrimas e parabéns, a festa alongou-se para quem ficou. Nós após cumprimentarmos os noivos regressamos ao nosso local de trabalho, que não se compadecia com estes eventos.

Continuamos a frequentar o Alfaia, porém, havia naquela casa um num sei quê, que aos poucos nos foi desviando para outras salas. A comida era a mesma e até a atenção da nova empregada, mas era a Rosinha que enchia de alegria aquele restaurante. O tempo passou, ficou a saudade!

Já lá vão mais de duas décadas e nunca mais soube da Rosinha. Hoje ao escrever esta crónica e talvez por me sentir nostálgico, prometi a mim mesmo, na próxima vez que for a Lisboa, ir ao restaurante tentar saber novas dessa senhora. Saber, qual terá sido o destino da Rosa Maria.

Lorde
Enviado por Lorde em 12/11/2013
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