SOMENTE VENDO
Sou leonina, vaidosa e convencida. Adoro elogios. Penso serem merecidos e nem fico vermelha.
Ia ao centro da cidade, para a 59ª feira do livro. Numa parada do ônibus, entrou um senhor com bengala. Afastei-me para dar lugar, e ele sentou-se a meu lado. Logo puxou assunto. O tempo. Será que vai chover, a previsão é de que choverá somente amanhã. Depois, passou para a juventude atual, a internet, o descomprometimento dos jovens. Retornou para o assunto da chuva, como antigamente as crianças gostava de brincar na chuva, como hoje não se vê mais isto.
Então, disse que eu devia me lembrar daquele tempo, se também brincava na chuva, pois eu deveria ter cinquenta anos.
Com os meus setenta festejados no recente 15 de agosto, dei risadas. Envaidecida, é claro. Vinte anos menos não é para qualquer um.
Disse a minha idade, e ele afirmou que realmente, eu não representava. Mais vaidosa fui ficando.
O assunto continuou. Passado, filhos, trabalho, esposa, netos e a perda da visão.
Opa! Perda da visão?
- Pois é, hoje somente tenho 10% de visão no olho esquerdo. No direito, nada. Vejo que a senhora usa óculos e é branca.
E eu murchando, recuperando os vinte anos perdidos no elogio.
Buá!