Crônica publicada originalmente no jornal “O Norte” (Montes Claros-MG), dia 04 de outubro de 2008.
 

No curral
 
 
Entrada nada franca. Aglomerado de pessoas repenicando para todos os lados. Tantos cumprimentos que a grande maioria provavelmente seria uma conhecida desconhecida da gente. Desfiles de botas, sobretudo, femininas, a constância do jeans, talvez por causa do frio. Nas cabeças, o clássico costumeiro, que sempre é presença em qualquer lugar, chapéu negro para disfarçar a timidez.

Passeio lado a lado, não apenas mãos atadas, mas corpo e alma abraçando-se com tanta intensidade que o ar parecia comprimido no peito. Prendendo tudo dentro de nós, como uma prisão voluntária que não almeja outra coisa a não ser estar preso pelo afeto. Lado a lado, andarilhos em busca de amostras e espetáculos. Visões da vida terrena e previsões de uma celestial morada. Tempo de repousar ou de desejar o repouso tão esperado.

Em busca de um alvo que desse um lindo presente para presentear, os pequenos pés pareciam flutuar de tanta satisfação. O local poderia se tornar um pântano que os brilhos oculares permaneceriam, pois, quando dois olhos se encontram, um resplandece a imagem do outro no fundo da retina que, por sua vez, estampa a alma do outro dentro de si. Com olhos fitos foram pegos peixinhos ilusórios que renderam pelúcias modéstias. Nada melhor que uma simples alegria para fazer pulsar o coração humano. Em batidas de carrinhos, estrondos do peito gritando como é bom estar aqui e sentir seu hálito.

Chamada para encontrar amigos singulares no meio da multidão. Tecnologia facilitada. Pose para ensaios fotográficos, imagens virtuais que se converterão em papéis que serão gravados na memória. Ainda que as rasteiras da vida ousem derrubar pernas frágeis e sensíveis, o cérebro retém bem forte as recordações vividas, sejam boas ou más. Aprovações e desejos de felicidade mútuos.

Som sereno e estridente perfurava os ouvidos que se concentravam nos lábios um do outro. Música que impulsionou o desejo e fez o espaço reduzir e o ambiente acalentar. Já não havia mais a multidão, apenas os dois amantes entrelaçando-se como um novelo que não se desfaz. Abraços intensos e ósculos penetrantes depositando confiança, esperança, paz e carinho. O beijo é o enlace de dois lábios e só deve existir quando há a certeza da proliferação do amor. Não se toquem duas bocas, quando as almas estão distantes do corpo. O beijo é como o coração, não se arranca do corpo para jogá-lo ao vento, mas o arranca para doá-lo a uma vida, e anular a própria. 

O acerbo cheiro que exalava do chão tornou-se um perfume suave de crisântemos ao toque dos corpos quentes. Em um local outrora poluído de grunhidos, relinchos e mugidos, uma cena interessante e digna de apreciação. Jamais veria tal cena. Ali naquele curral, uma demonstração majestosa de carinho de tímidos que fecharam os olhos para o público e o abriram para a platéia angelical que assistia do alto ao desejo de ser humano.