Frases superfaturadas X minutos impagáveis!

Não sou contra a medicina tradicional;Sou até fã dos cirurgiões que conseguem operar milagres com suas modernas técnicas, mas para casos assim corriqueiros, fico mesmo com a magia das gotas homeopáticas vendidas de porta em porta por farmacêuticos travestidos de caixeiros viajantes, e com as maravilhosas e infalíveis poções da minha avó Maria Leivina, benzedeira de mão cheia, devastadora da flora do planeta, sobretudo dos pés de fedegoso... "Ai minha cabeça”, “-De cá três ramos de fedegoso!”, ”Ai minha barriga”-”, Dê cá mais três ramos de fedegoso!”, Ramos esses depois de secos, usado com o mesmo fim terapêutico para nossas estripulias, isto, é, as famosas cipoadas contra pirraça, teimosia, etc. etc e etc. E de longe, muito longe, vinham as mães daquela época para benzerem seus filhos das duas únicas doenças diagnosticadas por ela naquela época: Mal olhado e espinhela caída. Aos mais velhos, media do cotovelo ao punho e conforme a diferença entre centímetros, a receita era dependurar na porta. E aos pequenos, os abençoados ramos de fedegoso e as rezas ditas por lábios trêmulos: “Vai doença, pra onde cachorro não late, galo não canta, boi não berra, gato não mia!”... Cresci sem saber que lugar era esse! Mas por insistência da minha filha e conselho das vizinhas, depois de um dia inteiro de indisposição de Heloísa e uma longa noite de ansiedade minha, resolvi levar a menina a um pediatra. Lindo consultório, no centro da cidade. Ar condicionado, TV de led, atendente de bochechas rosadas, pele de pêssego, sorriso bem alimentado, revistas para passar o tempo enquanto se aguardava pelo médico de olhos de intelectual, uniforme imaculado, rosto sem defeito, de pele tipo leite B.

-”Bom dia”! Queira deitar a menina na maca, por favor!

-”A língua, “mostre a língua”“!

-"Os olhos, abra os olhos”!

- "Diga 33..."!

-Volte pra casa, dê líquido!Muita água, muito suco!É apenas uma virose!

-Quanto devo moça?Não necessariamente nessa ordem, por que antes de entrar, já havia pago o valor-.

-Cento e cinquenta, por favor!E eu, com vontade de mostrar eu mesma, a língua àquele médico, abri meus olhos e dali mesmo da porta do consultório, acenei pro primeiro táxi que passou e depois daquele "Bom dia" tão caro, fiz o que minha mãe faria sem pestanejar: Fui em busca de um diagnóstico raro, não pela gravidade do caso, mas pela raridade de quem o faria, eu sabia!

-Destino, senhora:- Vila Rubim, disse eu: Chegamos. Em meio a um burburinho sem fim de crianças, floristas, moleques de entrega de recados de mulheres da Ilha do Príncipe a pescadores, doceiros e ambulantes, gritos de “mulher bonita não paga, mas também não leva", tropeços e esbarrões, cheiros acre de fumo e incensos, de flores e perfume barato, e aromas de comidas as mais diversas, entre moedas de um real em pequeninas mãos estendidas, tic -tac de outras em caixas estendidas por outras já grandes enrugadas, talvez cansadas, cheguei ao meu destino: Lá estava ela; Simples barraca enfeitada de bugigangas de todos os tipos e qualidades e na soleira sentado debulhando algo como bagos de jatobá, ele!Um remanescente das cidadezinhas do interior onde passei minha infância.

-Bom dia, minha senhora, e essa menina linda, como tem passado? Que bons ventos a trazem?

-A menina, senhor... Tem a boca ressecada, arde em febre, o doutor me disse ser virose, mas por via das dúvidas e por dúvida das vias, passei por aqui...- Vem, menininha, deixa vovô te olhar... Toma aqui uma balinha e não vale chorar! E entre um “causo" e outro, apalpa costas, ergue braços, mira olhos, ausculta pulmões, “escuta” peito se tem chiado, massageia costelas, dá um sorriso de brinde e me diz: -“É só um sarampo, minha senhora!Aqui está o santo sabugueiro!” E me oferta um ramalhete das mais lindas flores desidratadas, com folhas secas, que se fosse no outono, diria que haviam vindo tocadas pelo vento, ou catadas pela beira do caminho daquele homenzinho de olhos cheios de ternura e lábios úmidos de palavras sábias-.

-Dê um banho de hora em hora das folhas fervidas, nem muito frio, nem muito quente, um chazinho da mesma flor, não tome vento, que é pra não recolher. Em três dias tudo passa!Esse remédio é milagroso, a senhora vai ver.- Quanto devo senhor?Só os cinco reais das flores e folhas, por favor! Arranquei sem pensar uma nota de cem e por recusa sua, enfiei-lhe no bolso despencado da camisa de “volta ao mundo” a saí dali com a fé aumentada e a esperança renovada, quando ouço de longe um grito:

-Vá, com Deus e antes que me esqueça, para casos assim, esqueça aquele seu doutor! E em três dias lá estava Heloísa corada, saltitante, cheirando a flor de sabugueiro,com seu sorriso de rosa vermelha e eu feliz da vida, agradecida ao velhinho, e com pena dos pacientes de sarampo de um certo doutor!