LACUNA DE UM NADA DEIXADO POR NINGUÉM

 O silêncio como um espectral fantasma atravessa
portas e paredes onde moro com minha eterna
e inseparável companheira, a solidão.
     Esta lacuna de um nada deixado por ninguém! 
      Queria que esta solidão fosse ao menos o resultado da falta de alguém.
    Alguém que tivesse marcado sua presença ainda que amargado minha existência - mas seria alguém.
Mas a ausência mais desgraçada é aquela deixada além do tormento, de quem se chama ninguém... 
         As tardes chegam cansadas de silêncio e de dor. Prenúncio de longas noites tormentosas,
sem sequer uma presença com forças a tocar harpa
nas cordas de meu coração.
Só a ausência daquele nada que não veio.

 
        Não consta de meus dias de envelhecimento,
que tu que envelheces também,
não tenhas te havido vontade de acrescentar algo
às minhas tardes, pesarosos prenúncios de intermináveis noites que se sucedem, assombrando-me com o desgosto de nada teres feito. 
Ainda distante, tens o poder de levar-me o pouco que restou. Restos que manifesto buscas no passado, em tudo o que mais queria tinha por cima escrito; não!
Restos. Por não serem integrais.
Rendas velhinhas, esgarçadas pelo tempo,
farrapos de nuvens que passam no céu
com a urgência de últimos encontros.
Saudade, esta é companheira,
a única que parece ter consistência em minha mente.
Talves por tanto a conclamar ela se condói
e se faz companheira.
Ela me ama! Traz-me seu perfume, o som de tuas palavras, as tuas promessas a esperança da certeza
que povoava nossos dias.
A Saudade sim é diferente,
traz-me tudo que me há ausente,
toda querência que nos deixou. 
        Saudade, minha saudade...tu tens cheiro,
cor e calor. Tens o corpo morno, a boca molhada,
nao envelheces, mão mata, só machuca...numa dor
que não se esvai.
Mas que seria de mim, sem ti Saudade.
Tu não me fazes como o saudosismo cruel que nos leva para ficar, num rígido voltar;
não apenas como tu fazes ao tomar-me pelas tuas cálidas mãos, sem rigidez tu me levas a passear
a visitar nossos lugares, as brincadeiras dançantes
como chamávamos na época, 
nossas festinhas, os recados: "correios elegantes",

nosso cinema, nossa pipoca e sorvetes,
os bancos do jardim...   
As vésperas de Natal com
todas as famílias fazendo compras
,
as luzes coloridas, o Espírito do Natal solto no ar.
A felicidade existia. Existiu! 
Sentiamos-lhe o hálito quente e perfumado,
um calor reconfortante.
Às vezes um silêncio mais longo
fazia um frio percorrer a espinha.
Porque ela se calou? Está ofendida? Está triste?
Tudo era observado, anotado como notas musicais
numa pauta, para se compor uma sinfonia, única,
uma obra prima.
Não podia haver melindres, falhas, desafinamentos,
os tempos musicais tinham que estar corretos
e o melhor diapasão era o próprio coração.
Ambos tinham que estar sintonizados na mesma clave... os dois corações no mesmo compasso.
         Hoje - sou o que Cecília Merireles escreveu: 
* "o camelo que mastiga sua longa solidão";
ou "a lua que envolve igualmente os noivos abraçados
e os soldados já frios" 
e medito com ela: - do luar que em prata conserva
os namorados abraçados, já gelados,
em sua eterna união.
        Gelados, selados pelo longo e rigoroso
inverno da ausência,
unidos eternamente porque em nossa alma tudo que retorna é ressurreto.
Retorna mais uma vez...mais uma vez...
somos nós ali eternizados.
O que ressurge se eterniza!
Haja quantas ausências houverem
eu as exorciso com a Saudade,
esse bem tão nosso, tão acomodado na mente.
Essa mente que é alma, essa alma que é eterna.
Portanto, nossas saudades são exclusivamente nossas com todos os efeitos especiais de nossa mente.
Nossas cores, nossas dores, os amores, nossas flores.
 Como Pierre de Ronsard em **Sonnets pour Hélène:
"Quando tu fores bem velhinha, sentada ao pé da lareira, cosendo e fiando;
relembrarás que Ronsard me  celebrava
os tempos que eram belos.(...)
Relembrando meu amor e vosso fiel desdém.
- Eu porei minha responsabilidade sobre meus ombros mortos. (...) Você será sob a terra um fantasma qualquer... (...) Colha hoje as rosas da vida!"


 
* SUGESTÃO

Sede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.
Flor que se cumpre,
sem pergunta.

Onda que se esforça,
por exercício desinteressado.
Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silêncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E à nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

À cigarra, queimando-se em música,
ao camelo que mastiga sua longa solidão,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocência para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.
Não como o resto dos homens.


Cecília Meireles

        
** Pierre de Ronsard (1524 - 1585)

Sonnets pour Hélène

« Quand vous serez bien vieille »

Quand vous serez bien vieille, au soir à la chandelle,
Assise auprès du feu, dévidant et filant,
Direz, chantant mes vers, en vous émerveillant :
« Ronsard me célébrait du temps que j'étais belle. »
Lors vous n'aurez servante oyant telle nouvelle,
Déjà sous le labeur à demi sommeillant,
Qui au bruit de mon nom ne s'aille réveillant,
Bénissant votre nom de louange immortelle.
Je serai sous la terre, et fantôme sans os
Par les ombres myrteux je prendrai mon repos ;
Vous serez au foyer une vieille accroupie,
Regrettant mon amour et votre fier dédain.
Vivez, si m'en croyez, n'attendez à demain :

Cueillez dès aujourd'hui les roses de la vie.
 

        

 
Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 08/11/2013
Reeditado em 21/11/2013
Código do texto: T4562453
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.