Um a mais, um a menos
Com um bloco de notas, uma caneta e uma máquina fotográfica, o estagiário do jornal caminhava pelas ruas de um dos bairros mais violentos da cidade. Sua missão era justamente pegar algumas declarações de moradores e comerciantes sobre a situação do bairro. Ao lado da avenida principal havia várias ruas de chão, uma delas levando até um conhecido ponto de tráfico, onde semanalmente alguém era morto. Em frente a um mercado, sentava um grupo de jovens a quem os comerciantes atribuíam pequenos furtos. Reclamavam que a coisa estava cada vez pior, que as drogas eram o principal problema e que a polícia nunca passava por ali. Falavam bastante, mas recuavam assim que o estagiário pedia uma declaração para sair no jornal – ao lado de suas fotos.
Apenas um ou outro, mais corajoso, se deixava fotografar. Mas já passava do meio-dia e o estagiário ainda não havia conseguido ouvir o número de pessoas que precisava ouvir. Decidiu então tentar com um estofador, que estava parado em frente de sua estofaria. Era um homem bastante magro, que devia ter cerca de 40 anos, e tinha uma aparência meio estranha, mas gostava de rir. O estagiário explicou a situação: precisava de uma simples declaração sobre a violência e o tráfico no bairro. O estofador disse a mesma coisa que todo mundo. Que a violência estava aumentando. Que não havia segurança suficiente. Que ali na ruazinha de trás os traficantes comandavam. Que esses dias inclusive mataram mais um.
O estagiário agradeceu as declarações e perguntou se podia tirar uma foto. O homem hesitou. Pensou nos traficantes lendo a sua declaração no jornal e vendo a sua foto. Mas o estagiário insistia que nada ia acontecer – como se ele pudesse fazer algo. Dizia que o homem não havia dito nada de diferente dos outros. O estofador ainda refletia. Deu um suspiro, pensou na gravidade da decisão que estava tomando, e por fim falou, rindo:
- Está bem. Pode tirar a foto. Um a mais, um a menos, que diferença vai fazer, não é?