Minha guerra ao bolo
Há algum tempo recebi um telefonema de um amigo próximo. Não deixou nem dizer “alô”. Foi logo me dizendo que estava convicto, que nada o faria mudar de opinião, que estava pronto para ultrapassar os limites do bom senso. Não tinha jeito, estava decidido a comer um pedaço de bolo.
Pensei que fosse brincadeira, até esbocei uma gargalhada, mas quando notei o silêncio do outro lado da linha percebi que aquilo era sério. Fiquei desesperado, não acreditava ou não queria acreditar no que estava acontecendo. Disposto à quase tudo para ajudá-lo, convidei-o para tomar um chope, bater um papo.
E lá estávamos, em um bar humilde, mas aconchegante. Os primeiros minutos foram de doloroso silêncio. Depois de algum tempo comecei a tentar dissuadi-lo de tal idéia sem sentido. Expliquei-lhe que este desejo era pura insensatez, que isto mancharia a masculinidade de todos os homens do mundo, que bolo era uma guloseima exclusivamente feminina, mas ele continuava firme na sua decisão. Novamente o silêncio invadiu nossa mesa. Bebemos muitos chopes até que ele começasse a confessar-me. Meu pobre amigo estava passando por uma desilusão amorosa. Estava explicado. Aquilo era loucura, porém passageira. Conversa vai, conversa vem e ele desistiu de tal desvario. Novamente estava em paz com o mundo
Homem comer bolo! Meu Deus! Onde foi que já se viu isso? Comida de homem é picanha mau passada com dois dedos de gordura, é feijoada, mão de vaca, panelada.
Já vi homem preferir champanhe à cerveja, Fabio Jr à Nelson Gonçalves, lambada ao tango e até homem trocar o futebol pelo vôlei. Nunca tinha visto era homem comer bolo.
Hoje entrei numa lanchonete a fim de abastecer o tanque. Sentei, chamei o garçom e pedi um salgado qualquer e uma coca-cola. Quase que ao mesmo tempo entra um cara e senta-se à mesa ao lado. Homem alto, um metro e noventa, cabelo abaixo dos ombros um pouquinho, barba por fazer, vestia preto, corrente no pescoço, pulseira de espinho, cara de mau, típico metaleiro dos anos setenta. Olhei para ele com admiração e confesso, tinha um ar amedrontador. Enquanto o observava seu telefone tocou. Com voz grave disse um ou dois palavrões e desligou. Chamou o garçom, que já vinha com o meu pedido na bandeja, solicitou o cardápio, passou no máximo um minuto escolhendo e finalmente decidiu:
- Garçom (voz gutural), vou querer uma fatia de bolo de chocolate e uma soda.
Engasguei-me, fiquei paralisado. Já não tinha fome e sim ojeriza à comida.
Quando relembro a cena minha ulcera nervosa chega a cutucar-me. Saí daquele ambiente sem forças, boquiaberto, cada perna pesava uns cinqüenta quilos. Passei no supermercado, comprei uma garrafa de vodca e parti pra minha casa, ao som de blues compartilhei minha decepção com meus demônios. Depois de uma tarde de sono, querendo me curar da embreaguez, ouço tocar o telefone. Era meu velho amigo:
- Vai abrir um curso de bolo só para homens.
Desliguei. É o fim do mundo.