O adeus de um jogador amador de futebol!
O problema: a semana em que quase perdi a visão!
De leigo para leigo, simplificando o que me foi repassado pela doutora oftalmologista, o problema se deu com um gel, que a gente tem dentro do olho, que com a idade naturalmente se descola dentro deste órgão visual. Ao se descolar dentro do meu olho, uma parte não se desprendeu totalmente e acabou causando um rasgo na minha retina. Segundo a doutora foi muito oportuno ter procurado a clínica oftalmológica rapidamente, posto que o problema poderia se agravar, causando um descolamento total da retina, que implicaria em cirurgia e considerável perda de visão. Após uma sutura á laser para “remendar” o avario na retina foi recomendado trinta dias sem promover esforço físico. Sem academia, sem “ bike”, sem futebol.
O problema descrito acima ocorreu no meu olho esquerdo, que sempre brinco dizendo que é o meu olho “bom”, posto que um glaucoma descoberto tardiamente, acabou por prejudicar em torno de quarenta por cento a visão de meu olho direito.
OBS: Não quis buscar no “GOOGLE” informações a respeito do problema.
O tamanho do problema:
No retorno previsto, cinco dias após a sutura a laser da retina, foi comunicado que o procedimento tinha sido bem sucedido e que a cicatrização estava ocorrendo dentro do esperado.
Não me contive e terminei por perguntar: “___Passado trinta dias vou poder jogar futebol novamente?”
Futebol: meu lazer, minha vida!
Para mim, a pergunta e a resposta que a doutora me daria era muito pertinente. Dela dependeria a continuidade de meu gosto e lazer em jogar futebol. Não era pouco pra mim, posto que sempre fui um apaixonado por jogar futebol. Desde sempre! Lembro o terreno da casa da Vó Luzia, os dois pés de manga, um distando três metros, mais ou menos, um do outro; escalávamos um goleiro e a peleja “comia solta”! Os pequenos metidos em calções curtos, sem camisa e descalços, correndo atrás da pelota, éramos eu, o Jair (o dupré), o José Carlos(o Zé mandioca), meu irmão Alvimar (macão), o Júlio (Julião da Dona Jean, vizinha da vó), o Pedro (Pedrão da Dona Alcina), os gêmeos Alteir e Altaír e o Antônio Carlos (o Chitinha).
Aquele pequeno pedaço de quintal, ao lado da casa, era o nosso “Maraca!” Ali era cultivado o primeiro sonho de um dia virar jogador de futebol profissional. Todas as tardes, nos reuníamos naquele pedaço mágico de quintal, dividíamos as equipes, o Zé Mandioca quase sempre era o goleiro, pois gostava de jogar nessa posição. Brincávamos até o escurecer.
Os gols eram comemorados com a corrida desenfreada, os braços abertos, quase formando com o corpo, o desenho de um “W” e a garganta em vias de estourar quando gritava a pleno pulmões: “GOLAAAÇOOO!”
É preciso contar que de um lado estava situado as duas mangueiras que serviam como balizas de gol aos nossos propósitos,; tendo ainda, ao fundo a cerca balaústre que dividia os quintais da minha vó e o quintal da casa do Seu Jonas e Dona Alcina; um metro e meio, após a divisa de cerca de balaústre, estava o vitrô da cozinha da Dona Alcina, onde vez por outra as bolas endereçadas ao gol iam bater. Desnecessário dizer que a Dona Alcina não “amava” nenhum pouco quando isso acontecia. Do lado esquerdo das mangueiras corria um pequeno filete de agua sobre a terra. Essa água era oriunda do tanque de lavar e do quarador de roupa de minha avó. Como a vó lavava muita roupa, para dar sumiço á agua do tanque e do quarador, meu avó fez um pequeno canal por onde a água escorria e ia ter aos pés de outras árvores do quintal, umidificando-as. Com o passar do tempo, o terreno ficou muito encharcado e a água não “sumia” mais, o que deixava sempre uma pocinha de água no canal. Resultado, a nossa bola sempre ia de encontro á essa “aguazinha”; molhado, o couro da bola enchia-se de areia e quando ia de encontro á parede da casa da minha avó, ficava a sua marca indelével.
Minha avó, que eu me lembre, nunca pareceu se incomodar com isso. A casa era pintada de amarelo, as janelas eram de madeira e azuis; o amarelo e as marcas de bola, como se fosse uma mistura de um quadro de Van Gogh e ATFLLenard.
Deste campinho improvisado no quintal, acabamos por fazer um campinho maior no fundo do terreno do seu Jonas e Dona Alcina, pais do Jair, do Pedrão e do Joninha.
O campinho foi feito a base de enxada. Capinamos pacientemente o terreno, acantoamos o mato e pusemos fogo, tiramos os torrões e pedras e fizemos um gol com traves e travessão de bambu. Durante muito tempo ali foi nosso lugar preferido de guris. Porém, (rs) a arte que tínhamos desenvolvido ali, nos levou até o campo do gramadinho. O nome era dado devido a grama forquilha que cobria o campinho. Como nosso sonho era jogar num gramado, o gramadinho virou nosso campinho oficial. No gramadinho o contingente de jogadores já era bem maior. Lembro-me do Nélio, do Nenê Veloso, do Nadinho, do Odair, Maninho, Paulo Capacete, do Joao Paulo, Adonildo, Osvaldinho, Anchieta, Jaiminho, Jorginho Veloso,....
Conjuntamente com este momento, passamos a “sapear” a beirada de campo do São Bento, onde os adultos jogavam. Chegávamos mais cedo e ficávamos disputando uma brincadeira de futebol, conhecida como “rebatida”, ou senão praticando “controle”, que consistia em elevar a bola ao ar e todos os jogadores se esforçavam pra que a mesma não voltasse a cair ao chão.
Quando os adultos chegavam do trabalho para a tradicional pelada de fim de tarde, a gente completava os times até dar um quórum só de gente grande. Vagarosamente começamos a fazer parte do time de adultos nas peladas do fim de tarde, no campinho do São Bento. Éramos meninos ainda, porém modéstia a parte, nossa capacidade futebolística já nos credenciava para tanto. Dali a integrar o time de adultos que disputava amistosos e campeonatos pela cidade foi um pulo. Sinto orgulho em dizer que disputei um campeonato de amador da cidade, aos treze anos de idade. Time juvenil do “Flamenguinho”, “Vasquinho” da Dona Délia, Comercial Esporte Clube, Escola Dom Aquino, “Dom Bosco” do Zé Gordo, Equipe do Santo André e outros.
Depois mudei para Aquidauana, por conta do estudo em colégio agrícola de internato. E lá também em todas as folgas escolares, estava na quadra do colégio jogando salão, ou no campão jogando bola. Três anos de colégio, três anos defendendo, como titular da posição, as cores da escola em jogos de futebol, no certame escolar municipal, denominado “Jogos da Primavera”!
Depois os joguinhos de salão na Universidade, na quadra do Centro de Educação Universitário de Aquidauana. Jogador do time do Conjunto Habitacional onde morei depois de contrair matrimônio, jogador do Campeonato Amador de Aquidauana, defendendo o time do Lagoa Rica. Em 1992 mudei para Campo Grande-MS. E aqui, na cidade morena não foi diferente, logo estava integrado ao time de funcionários da UFMS e paralelamente jogava também minha bolinha no SINDIJUS, no Hospital Veterinário, no grupo do TRT, no grupo da IGREJA. No SINDIJUS, sempre presente nas peladinhas e participando dos campeonatos internos. Enfim jogando futebol, quando pouco, três ou quatro vezes na semana, passei quarenta e nove anos da minha vida. Uma vida jogando futebol.
A resposta da doutora
“__Olha, Senhor Alguimar, não é recomendável. Um trauma na cabeça, uma bolada, uma cabeceada, pode ocasionar o descolamento da retina. Daí só cirurgia e pode haver perda de visão! “
A sensação após a resposta: o real e o imaginado!
Não foi aquela sensação de faltar chão sob os pés, tampouco, foi similar a um soco no estômago, que nos deixa com falta de ar. Meu ar não foi de incredulidade. A sensação que tomou conta de mim foi de um desalento miúdo, como de uma chuva pequena, que aos poucos vai encharcando o chão. Então era isso! Simples assim. Numa resposta, que a bem da verdade eu já sabia qual era, estava decretado o encerramento de uma carreira de jogador amador de futebol. Num filme lento, cujo enredo era a minha vida, o protagonista em questão, que era eu, a cena inicial era o quintal de uma mulher admirável, era o quintal da Dona Luzia. Era o pedaço do quintal onde um dia, menino ainda, eu e meus amigos voando nas asas da imaginação, fizemos de um chão batido e duas mangueiras um Maracanã de nossas vidas. Foi ali onde começou o gosto pelo esporte que pratiquei durante toda minha vida. A cena final desse longa- metragem, era o interior de uma sala de uma clínica oftalmológica, onde uma jovem doutora, de cabelos negros que caiam sobre os ombros, magra, estatura mediana, de descendência nipônica, numa voz baixa, com expressão tranquila que enfatizava a certeza que estava proferindo, recomenda ao personagem Alguimar Amancio da Silva, que devido ao risco de sofrer um trauma na região ocular e consequente perda de visão, deve abandonar a carreira de jogador amador de futebol. O filme real encerra-se assim.
O imaginado
O filme que eu havia imaginado o “the end” era diferente. Já tinha escrito o enredo. O final que eu tinha imaginado tinha eu e meus amigos, os de infância, os recentes, meus familiares, reunidos para jogar uma partida de futebol, para comemorar meu aniversario de cinquenta anos. Após o jogo de confraternização, um churrasco, cerveja gelada e roda de samba.
A reestruturação
E foi assim! Num sábado joguei futebol, no decorrer da semana seguinte o gel vítreo, no glóbulo ocular, descolou-se; ao descolar-se rasgou minha retina, a urgência urgentíssima na sutura a laser, a lenta recuperação e a recomendação médica, para não mais jogar futebol.
Resumindo, num sábado estava envolvido com uma das coisas que mais gostava de fazer na vida e, na semana seguinte, estava proibido de fazer isso para o resto da vida. No hiato entre essas duas situações, o cais onde está ancorada a minha tristeza.
A certeza é de que não vou me reinventar! Serei eu e essa “falta” me oprime e oprimirá um par de anos futuro adiante. Na impossibilidade orgânica de praticar o bom, velho e querido futebol, urge agora ao meu ser a busca por uma reestruturação interna. Cabe agora buscar maneiras de preencher essa lacuna existencial. É muito delicado nesse momento lançar mão de alternativas alentadoras. A experiência e a formação em Psicologia, ensinou-me que elas poderão se mostrar precipitadas. O momento, resguardado a proporção é de vivenciar “o luto”.
E é nesse limiar existencial que me encontro!
Os agradecimentos
Com o sentimento mais puro e genuíno de minha alma, digo muito obrigado ao futebol, esse companheiro inseparável que permeou em todos os momentos a minha vida.
Companheiro, através do qual tive a felicidade de fazer incontáveis amigos. Amigos que tenho comigo desde os anos primeiros da infância, amigos apresentados durante os anos de internato, amigos recentes, que antes de os conhecer, já os sabia, cujo pouco tempo de convivência não expressa a importância e qualidade da relação de ternura e carinho.
Obrigado a minha querida e amada esposa Lucimar, que numa postura de compreensão soube viver com bom humor e paciência, este triângulo amoroso, cujo vértices, a vida inteira, teve eu, ela e o futebol.
Aos filhos, minhas desculpas, pois bem sei que nunca deixei faltar amor, carinho, cuidado e atenção, porém reconheço que houve momentos a ausência física foi sentida, por conta fogo da paixão pelo futebol, que me consumia.
Alguimar Amancio da Silva